Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Os bolsistas ajudam os não-bolsistas e o contrário deveria acontecer

Em termos práticos, bolsistas podem subir o nível da sala de aula, fazendo os colegas não-bolsistas irem melhor nas provas

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Fernando Deodato Domingos

Professor de estratégia na FGV (Fundação Getúlio Vargas)

Educação de qualidade no Brasil ainda é, infelizmente, coisa de rico. O problema começa no ensino básico e se carrega para o ensino superior. Escolas e faculdades "de elite" não raramente se tornam clubes para que crianças e adolescentes já comecem a fazer networking, como bem sumariza Vera Iaconelli na sua recente coluna. Ainda que não seja uma solução definitiva, um potencial remediador para essa triste situação vem por meio de programas de bolsas e cotas. Nas universidades públicas brasileiras, cotas revolucionam ao gerar inclusão no mundo da educação de qualidade que veio sendo tão exclusivo da elite. Programas assim podem ser muito úteis também na educação privada, desde o ensino básico.

A imagem mostra um homem sorridente com barba e cabelo escuro, vestindo um paletó escuro e uma camisa clara. O fundo é branco, destacando seu rosto e expressão amigável.
Fernando Deodato Domingos é professor de estratégia na Fundação Getúlio Vargas - Divulgação

Mas, como consequência dessa inclusão social, vem uma outra pergunta. E a interação dos bolsistas e não-bolsistas, ou cotistas e não-cotistas? Alunos de realidades extremamente distintas finalmente se "misturariam" nessas escolas. O recente suicídio de um aluno bolsista numa escola particular tradicional da cidade de São Paulo evidencia uma preocupação sobre as consequências destas interações. Afinal, é possível que tanto estudantes bolsistas e não-bolsistas se beneficiem dessas políticas?

Num estudo recente em que utilizamos dados de uma outra escola particular, eu e Antonio Caluz vemos que alunos bolsistas e não-bolsistas podem sim se beneficiar, e muito. Bolsistas não só ajudam os não-bolsistas a "saírem da sua bolha", como em termos práticos também podem subir o nível na sala de aula, fazendo os colegas de famílias mais ricas irem melhor nas provas. Os não-bolsistas tiram notas mais altas em matérias de ciências humanas e exatas quando estudando com bolsistas. O efeito é maior nos estudantes não-bolsistas brancos, sugerindo que os benefícios são de fato decorrentes da exposição à diversidade. E, ainda mais interessante: pais e responsáveis dos alunos não-bolsistas conseguem perceber esses benefícios e doam ainda mais para o programa de bolsa, gerando um círculo virtuoso. Pais doadores concordam que o programa de bolsas impacta a educação dos seus filhos, não-bolsistas, e de maneira mais ampla corrobora com o plano pedagógico da escola, ajudando no alcance das rigorosas metas em excelência acadêmica.

Nossos achados só mostram como os bolsistas devem ser verdadeiramente incluídos: eles beneficiam toda a rede escolar, e o mínimo a fazer é fortalecer tais programas de bolsas (e cotas), garantindo que esses alunos se sintam de fato pertencentes. Quando pais e responsáveis prezam pelos clubes e os tais benefícios do networking entre aqueles de alta renda, acabam deixando tudo isso de lado. Perdem tanto os seus filhos, quanto os bolsistas.

Torço para que pais e responsáveis de classe alta, em vez de prezar por tal "clubinho", vejam como seus filhos podem aprender muito mais ao serem expostos àqueles que não vieram de "mais do mesmo", e têm muito a acrescentar.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Fernando Deodato Domingos foi "A Novidade" de Gilberto Gil.

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