A grande visibilidade de rostos pretos nos meios de comunicação brasileiros, principalmente as propagandas e as novelas na televisão, não devem passar ou deixar de ter seus questionamentos, pois trata-se de uma faca de dois gumes; se, por um lado, nos permite a visualização desses rostos pretos em uma maior quantidade, por outro nos permite discutir se não se trata de uma nova "democracia racial".
E por que meu questionamento? Posso responder que essa visualização está dissociada dos fatores raça e cor da pele, se a analisarmos dentro do contexto da realidade sobre a discussão racial no Brasil.
Nas propagandas comerciais, voltadas para o consumo, a presença dos figurantes pretos pode se tornar enganosa. Há alguns meses, uma modelo negra foi acusada de ter roubado uma peça de roupa que era de sua propriedade. Nos supermercados e lojas de departamento, existe sempre uma vigilância especial em cima dos negros, que provavelmente consumiram as propagandas.
Além disso, muitas dessas propagandas exibem bens que a maioria dos negros pode não ter condição de consumir, visto que o poder aquisitivo, entre brancos e negros, está muito longe de se assemelhar. Será que essa disparidade de ganhos é discutida na hora de elaborar a propaganda de um produto, ou apenas a presença de uma cara preta na propaganda é suficiente para a classe detentora do poder econômico considerar-se de consciência tranquila?
Com relação à TV, vou ater-me a uma novela em particular. O nome da novela e emissora em que é exibida são desnecessários. Os personagens centrais são um médico (ator negro) e sua amada injustiçada (atriz branca). Os dois foram proibidos de casar pelo pai dela, devido a divergências de negócios que tinha com o pai dele. O médico (ator negro) então resolve se auto-exilar e exercer a medicina no Canadá (é uma realidade normal para médicos negros?). Até aí, nenhuma menção à questão racial como um possível empecilho para a união dos dois.
Na volta para a cidade natal, ele reencontra a amada e, mais uma vez, depois de idas e vindas, passam a conviver, mas sem a realidade racial ser mencionada em qualquer momento. A maioria dos personagens negros da cidade está empregado e feliz com seus empregos (a diferença salarial entre negros e brancos nunca é mencionada. Todos estão felizes com seus ganhos). O médico negro, na novela, em momento nenhum teve o desconforto de recusa de prestar atendimento a uma pessoa branca pelo fato de ser negro. A grande empresária da cidade (a malvada, branca, loira) faz todos os esforços para adotar o filho negro do médico, e muitos outros detalhes que não há necessidade de aprofundar.
Isso, no meu entender, é procurar levar a discussão sobre a questão racial no Brasil para debaixo do tapete; em outras palavras, vocês querem ver caras pretas? Então vejam e se deem por satisfeitos. O Brasil continua a ser uma "democracia racial".
Francisco Ernesto da Silva é teatrólogo e escritor
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