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Rostos pretos na mídia são novo mito de 'democracia racial'

Artigo de leitor questiona: a mera presença de uma cara preta na TV é suficiente para a classe dominante ter consciência tranquila?

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Francisco Ernesto da Silva

A grande visibilidade de rostos pretos nos meios de comunicação brasileiros, principalmente as propagandas e as novelas na televisão, não devem passar ou deixar de ter seus questionamentos, pois trata-se de uma faca de dois gumes; se, por um lado, nos permite a visualização desses rostos pretos em uma maior quantidade, por outro nos permite discutir se não se trata de uma nova "democracia racial".

E por que meu questionamento? Posso responder que essa visualização está dissociada dos fatores raça e cor da pele, se a analisarmos dentro do contexto da realidade sobre a discussão racial no Brasil.

Nas propagandas comerciais, voltadas para o consumo, a presença dos figurantes pretos pode se tornar enganosa. Há alguns meses, uma modelo negra foi acusada de ter roubado uma peça de roupa que era de sua propriedade. Nos supermercados e lojas de departamento, existe sempre uma vigilância especial em cima dos negros, que provavelmente consumiram as propagandas.

Mulher passa lápis no lugar de batom em publicidade da Amazon
Filme publicitário da Amazon produzido pela O2 Filmes é exemplo de aumento da presença de negros sem estereótipos na propaganda brasileira - Reprodução / frame

Além disso, muitas dessas propagandas exibem bens que a maioria dos negros pode não ter condição de consumir, visto que o poder aquisitivo, entre brancos e negros, está muito longe de se assemelhar. Será que essa disparidade de ganhos é discutida na hora de elaborar a propaganda de um produto, ou apenas a presença de uma cara preta na propaganda é suficiente para a classe detentora do poder econômico considerar-se de consciência tranquila?

Com relação à TV, vou ater-me a uma novela em particular. O nome da novela e emissora em que é exibida são desnecessários. Os personagens centrais são um médico (ator negro) e sua amada injustiçada (atriz branca). Os dois foram proibidos de casar pelo pai dela, devido a divergências de negócios que tinha com o pai dele. O médico (ator negro) então resolve se auto-exilar e exercer a medicina no Canadá (é uma realidade normal para médicos negros?). Até aí, nenhuma menção à questão racial como um possível empecilho para a união dos dois.

Na volta para a cidade natal, ele reencontra a amada e, mais uma vez, depois de idas e vindas, passam a conviver, mas sem a realidade racial ser mencionada em qualquer momento. A maioria dos personagens negros da cidade está empregado e feliz com seus empregos (a diferença salarial entre negros e brancos nunca é mencionada. Todos estão felizes com seus ganhos). O médico negro, na novela, em momento nenhum teve o desconforto de recusa de prestar atendimento a uma pessoa branca pelo fato de ser negro. A grande empresária da cidade (a malvada, branca, loira) faz todos os esforços para adotar o filho negro do médico, e muitos outros detalhes que não há necessidade de aprofundar.

Isso, no meu entender, é procurar levar a discussão sobre a questão racial no Brasil para debaixo do tapete; em outras palavras, vocês querem ver caras pretas? Então vejam e se deem por satisfeitos. O Brasil continua a ser uma "democracia racial".

Francisco Ernesto da Silva é teatrólogo e escritor

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