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O capitalismo que habita em nós

'Mesmo passando mal, me prendo aos transtornos que faltar ao trabalho pode causar', diz leitor

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Lina Maria Freitas

Fazia alguns dias que estava mal até que piorei ao ponto de sentir tanta dor que nem conseguia pisar no chão sem ter a sensação de que iria explodir por dentro. Embora eu não seja da área médica, era fácil presumir pelos sintomas de que se tratava de uma infecção urinária que eu, erroneamente, vinha tentando tratar sozinha.

Pensei seriamente em tomar uma medicação, como já estava fazendo —afinal faltar aos trabalhos implicaria em uma série de transtornos para a escola, alunos e familiares, especialmente no contexto de muitas ausências em decorrência da dengue e outras doenças causadas pelo mosquito. Não deu certo e precisei ir ao médico em plena terça-feira, um dos dias em que mais trabalho, em três escolas diferentes.

Foto: Karime Xavier/Folhapress - Folhapress

Cheguei cedo ao posto de saúde do meu bairro. Estreante no uso de alguns serviços do SUS, estava lá muito antes até mesmo do posto abrir as portas. Foram horas até ser atendida pelo médico e seus estagiários –ideia excelente para preparar os médicos em formação –e o resultado se confirmou: uma severa infecção urinária. Saí de lá com receita de antibiótico e um atestado de dois dias que pensei em não cumprir à risca. Seriam dois dias ausentes no que agora viriam a ser quatro escolas.

Ao chegar em casa, ainda com muita dor, decidi aproveitar o tempo e adiantar alguns trabalhos extraclasse, a parte mais custosa em ser professora. Entre uma custosa ida e outra ao banheiro, ali estava eu elaborando provas, planejando aulas, com dor e um pedaço de papel que me autorizava a descansar a fim de me recuperar plenamente.

Só então que me lembrei do famoso "Time is Money", citado por Benjamin Franklin, um dos pais da independência, e me dei conta que eu, professora, consciente e crítica das dificuldades geradas por cada modo de produção, estava ali agindo de maneira contraria ao que eu vivo pregando. Sou também quem vive citando a maravilhosa frase do igualmente maravilhoso Antonio Candido que contradiz Benjamin Franklin: "Tempo não é dinheiro, é o tecido da nossa vida [...]".

Desliguei o computador e respeitando a mim mesma, deitei e descansei até me sentir melhor. Dormi e permiti que o capitalismo que habita em mim e em cada um de nós fizesse o mesmo.



Lina Maria Freitas tem 33 anos e é professora de história em Sete Lagoas (MG).

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