Pretos Olhares

Fotografia e outras linguagens da arte feitas por pessoas pretas

Pretos Olhares - Catarina Ferreira
Catarina Ferreira
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Manuela Navas leva imagens do cotidiano de famílias negras para a arte

Artista usa pinturas para repensar passado e presente a partir de imagens positivas

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São Paulo

Amigos numa mesa de bar, a mãe que trança o cabelo da filha, uma mulher que se arruma em frente ao espelho. Essas são algumas das cenas retratadas nas obras de Manuela Navas, 27. Seus quadros têm momentos que poderiam estar em um álbum de fotografias de família, daqueles que guardam memórias de festas da infância da própria artista, e de muitos outros brasileiros.

Para ela, que busca traduzir o cotidiano em pintura, grafite e xilogravura é importante que as pessoas negras possam contar suas próprias histórias e se identificar com cenas que sejam alegres e positivas. "Felicidade também é uma forma de resistência", afirma

Manuela não retrata somente a atualidade. Há quadros em que as roupas fazem referência às décadas finais do século 20, com mulheres vestindo saias longas em tons pastéis e homens de calça de alfaiataria e camisa.

A artista Manuela Navas, 27, em  frente a sua obra "To Never Forget the Source (Black to the Future)"
A artista Manuela Navas, 27, em frente a sua obra "To Never Forget the Source (Black to the Future)" - Gustavo Rodrigues/Diulgação

Segundo ela, o intuito é mostrar que a poesia e a arte sempre estiveram no cotidiano da população negra.

A representação de corpos negros, principalmente de mulheres, e a maternidade são temas que interessam a artista de Jundiaí, interior de São Paulo, que hoje vive e trabalha em Caraguatatuba, no litoral.

"A pintura faz parte desse esforço de olhar ao redor e ver beleza ali, se ver e ver poesia nisso. Quando você vê uma imagem e gera identificação com as pessoas você não precisa de palavras para explicar a cena, às vezes, a pessoa vai só sentir."

Manuela faz um paralelo entre seu trabalho e a escrita, pois, para ela, a imagem é sua maneira de ler a realidade. "Sempre gostei de observar o entorno, e sempre li muito, mas percebi que não sou boa escrevendo. Me frustra, mas tá tudo certo, porque a pintura foi a forma que encontrei de tentar escrever sobre o entorno."

Seus trabalhos circulam, geralmente, em grandes centros como São Paulo ou Rio de Janeiro, que também concentram museus e casas de cultura. Ela reconhece a importância de ocupar estes espaços compartilhando fragmentos da sua história, mas diz ver a arte como algo ainda muito elitizado e de difícil acesso.

Na sua cidade, afirma, as pessoas não encontram aparelhos culturais. "As pessoas que eu retrato não têm tempo nem dinheiro para ficar indo à capital para ver exposições. Então sempre que pinto as pessoas daqui chamo [para virem ao ateliê] para ver o quadro."

Seu desejo é dedicar mais tempo à arte urbana, para que seu trabalho alcance mais pessoas. Ela já tem alguns murais pintados, um deles em São Paulo, no bairro de Pinheiros. A obra "Odo Nnyew Fie Kwan / Joy as an act of resistance", fez parte do festival de grafite NaLata, realizado em 2022.

Grafite de um casal dançando na lateral de um prédio
Mural de Manuela Navas, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo - Henrique Cabral/Divulgação

Filha e neta de artesãs, Manuela diz sempre ter tido incentivo para desenhar, pintar e usar a criatividade. Porém, vindo de uma família pobre, ela afirma nunca ter imaginado que poderia viver da arte. "Era tão deslocado da realidade em que cresci que não conseguia nem sonhar com isso."

A mudança aconteceu depois de adulta. Foi em 2020 que começou a se dedicar exclusivamente à pintura.

Até o início da pandemia, ela trabalhava como vendedora no comércio local e mantinha o ateliê como forma de complementar a renda. Após as medidas adotadas para conter a Covid-19, ela precisou sair do emprego para cuidar da filha, hoje com quatro anos. Foi quando começou a dividir seu tempo entre a maternidade e a prática da pintura.

Manuela tem obras no Museu de Arte do Rio, na exposição "Funk: Um Grito de Ousadia e Liberdade", em cartaz até 24 de agosto, e também no Sesc Belenzinho, em São Paulo, na mostra "Dos Brasis: Arte e Pensamento Negro", aberta até 28 de janeiro.


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Escreva para catarina.ferreira@grupofolha.com.br

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