Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
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Pedro Teixeira de Siqueira Neto e Bruno Toledo Checchia

Os benefícios fiscais de ICMS e o ressarcimento constitucional

Benefício estadual que seria usufruído imediatamente demorará cinco meses para ser compensado pelo fundo criado pela reforma tributária

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Pedro Teixeira de Siqueira Neto

sócio da Área Tributária do Bichara Advogados

Bruno Toledo Checchia

sócio da Área Tributária do Bichara Advogados

Com o desfecho da etapa constitucional da reforma tributária no ano passado (Emenda Constitucional 132/2023), a Câmara iniciará agora uma fase crítica de análise e aprovação do projeto de lei complementar (PLP 68/2024) encaminhado pelo governo que regulamenta os termos do novo sistema. Os inúmeros detalhes desse projeto, com aproximadamente 500 artigos, serão determinantes para cumprir o objetivo de tornar a tributação sobre o consumo mais simples, objetiva e justa.

Um dos principais aspectos introduzidos pela reforma foi a mudança no critério espacial de incidência dos tributos: sai a lógica da tributação na origem (regra atual do ICMS, por exemplo) e entra a do destino.

Essa estrutura de tributação atual, que privilegia a tributação no estado produtor (origem), além de não colaborar com o desenvolvimento de uma cidadania fiscal, fomentou a famigerada "guerra fiscal", com a concessão de benefícios fiscais de ICMS muitas vezes inconstitucionais e que, ao fim e ao cabo, inviabilizaram fiscalmente os entes concedentes de tais benesses. Andou bem, portanto, o legislador constitucional ao alterar essa lógica.

O precipício fiscal criado por essa situação belicosa, contudo, já tinha sido antevisto pelos estados e, diante da insustentabilidade do conflito permanente, após longo debate, as discussões foram parcialmente resolvidas com a edição da Lei Complementar 160/2017: ela convalidou os benefícios fiscais até então tidos como inconstitucionais e garantiu sua manutenção até 2033, resguardando o direito dos contribuintes —o marisco entre o mar e o rochedo— que, de boa-fé, promoveram investimentos relevantes para transferir suas operações a determinado estado.

Ocorre que a reforma, ao prever início da transição dos impostos estaduais a partir de 2029, limitou essa compensação prevista na Lei Complementar 160/2017, motivo pelo qual, igualmente preocupada com os contribuintes, previu-se a criação de um Fundo, a ser mantido pela União Federal, para compensar as empresas que perderão antecipadamente seus benefícios.

Os requisitos iniciais para o acesso ao fundo foram previstos na própria Constituição Federal: necessidade de que o benefício houvesse sido concedido por prazo certo e mediante condição, ou que houvesse sido homologado pela LC 160/17. Mais detalhes para acesso aos recursos do fundo, contudo, só foram divulgados agora, com a disponibilização do PLP 68/2024.

É natural e bem-vinda a regulamentação ao acesso a tais recursos, especialmente para evitar que caiam em mãos indevidas. Contudo, o pretexto de regulamentar não pode ser utilizado para fulminar o direito dos contribuintes. E, por isso, algumas críticas devem ser feitas para melhorar esse importante mecanismo durante os debates do PLP no Congresso Nacional.

A primeira delas diz respeito a um conceito restritivo do que seriam admitidas como exigências para que determinado benefício fosse considerado "condicionado". O projeto restringe as contrapartidas a (i) implementação ou expansão de empreendimento econômico vinculados a processos de transformação ou industrialização que agreguem valor; (ii) geração de novos empregos ou (iii) limitação do preço de venda ou restrição de contratação a fornecedores determinado. Salvo tais disposições, nenhuma outra contrapartida será considerada e mesmo exigências de contribuições a fundos estaduais vinculados a benefícios de ICMS não serão admitidas como condições.

Há também uma restrição temporal do direito de pleitear a compensação, que se extingue com um ano do prazo da transmissão da escrituração fiscal. O prazo parece extremamente exíguo, em especial consideradas as dificuldades no cálculo dos prejuízos com o fim dos benefícios fiscais. Além disso, o período não guarda relação com nenhum outro prazo processual ou tributário, parecendo ser propositalmente curto apenas para limitar o acesso ao pagamento.

Por outro lado, o prazo concedido à União para pagamentos é extremamente generoso. Após o pedido, a autorização para pagamento da compensação ao contribuinte se dará em 90 dias e a entrega dos benefícios em mais 60 dias. Há ainda uma regra excepcional, que estabelece um "limite tolerável de risco" que, quando atingido, implicará revisão automática e prazo ainda maior que os 150 dias no pagamento ao contribuinte.

Caso o prazo de 150 dias seja ultrapassado, incidirá Selic e juros de 1%. Ou seja, um benefício estadual que seria usufruído imediatamente agora demorará 5 meses para ser compensado pelo Fundo, sem qualquer atualização ou correção nesse período.

E não há qualquer sanção para eventual inadimplemento pela União. Veja-se que o Fundo de Compensação não é regido pelo Comitê Gestor do IBS, o qual, segundo Bernard Appy, fará ressarcimentos de créditos automaticamente. Cuida-se, aqui, de um valor a ser exigido da União, cujo histórico de inadimplência não lhe favorece —basta lembrar da PEC dos Precatórios.

No mínimo, deveria ser prevista uma regra de possibilidade de cessão de créditos, que permita ao contribuinte monetizar tais valores de forma célere, caso haja inadimplência pela União. Porém essa prerrogativa foi vetada no projeto do governo.

A proposta de regulamentação merece cuidadosa análise pelo Poder Legislativo, que deve resguardar o direito dos contribuintes já reconhecido pelo Legislador infraconstitucional ao editar a LC 160/2017 e o constitucional, ao prever a criação desse fundo de ressarcimento na EC 132/2023. O tema é bastante técnico, mas o Legislativo vem se provando um importante aliado no combate às ilegalidades tributárias e esperamos que assim prossiga, mantendo a defesa dos direitos dos contribuintes na reforma tributária.

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