Que imposto é esse

Reforma tributária para leigos e especialistas; com apoio de Samambaia.org

Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
Descrição de chapéu
Alessandro Mendes Cardoso

Grupos de interesses e reforma tributária

É importante ter conhecimento de diferenças entre as duas Casas Parlamentares no que se refere às formas de atuação e de envio de informações

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alessandro Mendes Cardoso

Sócio do Rolim, Goulart, Cardoso Advogados. Doutor em Direito Público pela PUC-Minas

O trâmite do PLP 68/2024, referente a uma das leis complementares regulamentadoras da reforma tributária do consumo, na Câmara dos Deputados, foi marcado pela intensa movimentação dos grupos de interesses organizados, das frentes parlamentares e dos representantes da União Federal (Ministério da Fazenda, Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional), dos estados e municípios.

A participação democrática dos grupos de interesses, principalmente ligados aos setores econômicos mais robustos e organizados (agronegócio, indústria, mineração, entre outros), objetivou a defesa de suas propostas, as quais, na sua ótica e objetivos, levariam ao aprimoramento da proposição legislativa. O debate ocorreu em diversos foros, não só nos gabinetes e corredores da Câmara, mas em congressos, seminários e na mídia. Algumas propostas tiveram êxito e foram incorporadas no texto de relatoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados, e recentemente enviado para o Senado Federal.

Homem de paletó azul em escritório com estante de livros ao fundo
Alessandro Mendes Cardoso, sócio do Rolim Goulart Cardoso Advogados - Divulgação

Na complexa sociedade moderna existem múltiplos interesses que estão latentes no tecido social. E a forma como esses interesses atuam e interferem no tema da tributação ainda não é objeto de muitos estudos no Brasil. Existem diversos conceitos de lobby, que privilegiam diferentes enfoques e aspectos envolvidos nessa atividade, cuja configuração no Brasil é dificultada pela ausência de sua regulamentação normativa.

Compreendemos o sentido de lobby como uma forma de representação de interesses junto ao Poder Público, através da atuação de pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, diretamente ou por interposta pessoa, cujo objetivo é provocar, subsidiar, impulsionar ou orientar a ação estatal. Através da atividade de lobby busca-se influenciar autoridades públicas ou parlamentares na tomada de decisão, principalmente através do fornecimento de informações e dados técnicos que não são do seu conhecimento ou não são de fácil acesso e que são essenciais ou relevantes para a avaliação do tema objeto de uma política pública.

O lobby se diferencia da advocacy, que se vincula à defesa de uma causa, que na maioria das vezes se origina de um processo de reivindicação ou promoção de direitos ligado a uma demanda relevante da sociedade.

A Ciência Política trabalha o conceito de déficit informacional dos parlamentares, pois não lhes é exigível que detenham o conhecimento pleno e aprofundado dos diversos assuntos que são analisados no trâmite das proposições legislativas. Principalmente temas de relevante conteúdo técnico-especializado, como Direito, Economia, Meio Ambiente, entre outros. Por isso é natural a busca de informações junto a terceiros especializados, seja no Executivo, nas assessorias parlamentares ou nos grupos de interesse organizados. Não tem sido diferente na reforma tributária. Mas cabe aos parlamentares filtrar o conteúdo das mais diversas informações, de diferentes fontes, que lhes são repassadas.

Um exemplo relevante são os estudos/projeções sobre os efeitos em termos de impacto nos preços ao consumidor da inclusão ou não de determinados produtos na cesta básica nacional ou no rol de mercadorias e serviços com alíquotas do IBS reduzidas, ou ainda sua inclusão ou não no Imposto Seletivo.

Os pleitos dos grupos de interesses têm sido analisados e vários deles acatados, desde a aprovação do texto-base que deu origem à Emenda Constitucional 132/2023, mas não podem ter o condão de descaracterizar ou desvirtuar os objetivos e pressupostos básicos da reforma. Toda e qualquer proposta deve ser analisada não somente pela ótica da vantagem que traz para o setor ou categoria proponente, mas, principalmente, em face dos princípios norteadores que estão elencados na nova redação do § 3º, do artigo 145 do texto constitucional, que são a simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente. E, ainda, a necessidade premente de tornar o sistema menos regressivo estando ciente que isso demanda menos exceções e mais mercadorias e serviços abarcados pela alíquota de referência.

Com a remessa do texto do PLP 68/2024, aprovado na Câmara dos Deputados, para análise, debate e votação no Senado Federal, inicia-se uma nova fase de trabalho de convencimento dos senadores pelos interessados na reforma tributária. É importante ter conhecimento de relevantes diferenças das formas de funcionamento prático entre as duas Casas Parlamentares, principalmente no que se refere às formas de atuação e de envio de informações (pareceres, estudos, etc) pelos grupos de interesse. De forma resumida, podemos destacar as seguintes peculiaridades no âmbito do Senado em relação à Câmara:

i) Tendência à maior especialização dos gabinetes: por possuírem maior número de funcionários, é normal os gabinetes dos senadores possuírem especialistas jurídicos e economistas. E pela importância que normalmente a matéria tributária tem no trabalho parlamentar, mesmo um especialista em tributação. Isso permite que a análise feita pela assessoria seja de maior qualidade, com a checagem de informações, dados e números trazidos pelos materiais entregues;

ii) Melhor nível de informação técnica dos senadores: por estarem melhor assessorados, existe a tendência dos senadores de serem mais independentes na formação das suas convicções, por dependerem menos de informações trazidas pelas assessorias das lideranças ou dos partidos;

iii) Vinculação à "escolha racional": Além disso, os senadores tendem a ter atuação mais individualizada e menos vinculada a determinações de lideranças, por serem em menor número e por terem a atuação vinculada à lógica da "escolha racional" e o objetivo final da reeleição. O que coloca na mesa questões como repercussão das medidas junto ao eleitorado, previsões de impacto econômico, negociações políticas, entre outros;

iv) Dinâmica do mandato senatorial: pesa, ainda, o mandato mais longo (oito anos) e o perfil, ainda predominante, de serem os senadores políticos com maior bagagem política (experiências anteriores). Existe maior ligação dos senadores com o Estados, visto que vários já foram governadores, o que tende a lhes dar maior sensibilidade aos pleitos e demandas destes Entes;

v) Formato diferente da interlocução: Na Câmara dos Deputados, o contato é tradicionalmente mais fácil com os parlamentares. Com as conversas de corredores e as reuniões "em pé", viabilizando a entrega de materiais e as rápidas explicações de seus pontos principais. No Senado, a regra é o agendamento de reuniões nos gabinetes. Além disso, o trabalho das Frentes Temáticas ou Bancadas Parlamentares é bem mais forte na Câmara do que no Senado. Esses são alguns pontos que irão direcionar os trabalhos no Senado, que já deu mostras no passado (vide a minirreforma da tributação do imposto de renda) que encara os temas mais estratégicos e polêmicos de forma bem diversa do que a Câmara dos Deputados.

Espera-se que os senadores façam o debate técnico e democrático que a reforma tributária demanda, ouvindo todos os setores da sociedade, sempre tendo em foco os objetivos que informaram a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, para a construção de um novo sistema de tributação do consumo, menos regressivo e mais justo, inclusive com um mecanismo de cashback ainda mais incisivo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.