Para muitas pessoas, a praia é relaxante. O som das ondas, o banho de mar, o horizonte azul. Para outras, ela é um local de trabalho. Há também aqueles que veem na areia e na água um local propício à prática de esportes. Outros grupos, mais animados, transformam qualquer lugar numa festa.
Na maioria dos dias, aquele grande agrupamento humano na faixa de areia experimentava uma, ouso dizer, harmonia. A praia é gratuita, agradável. Cada um chega a hora que quer, permanece pelo tempo que lhe der na telha.
Na areia, em cadeiras, em toalhas, cada grupo delimita o espaço que bem entender. Era um pacto coletivo que assegurava as liberdades individuais.
Hoje a liberdade é exercida só pelos grupos que possuem o porte, ou melhor, a posse de uma caixa de som. Os ataques sonoros vêm de todos os lados. Ninguém conversa nem ouve nada direito, a não ser uma pasta disforme de ruídos estridentes de todos os gêneros musicais. Nem a pessoa que levou a caixa consegue ouvir seu som.
Quebrou-se o pacto coletivo e o individualismo selvagem acabou com as liberdades. O espaço público, visto como algo sem valor, foi corroído por grupos que agem como se estivessem num ambiente privado. Lembra muito certa utopia bolsonarista.
É o mesmo raciocínio daquele que evoca a liberdade para não se vacinar. Que evoca a liberdade para comprar armas. Que evoca a ditadura para saudar a liberdade. Que distorce as religiões para louvar a rivalidade e o êxito individual.
Num contexto mais amplo, é o mesmo raciocínio que impõe a uberização das relações trabalhistas e quebra um pacto coletivo de direitos conquistados. Individualiza de maneira selvagem. O que um entregador do iFood teria a dizer sobre liberdades individuais?
É o mesmo raciocínio de quem arrasa a Amazônia de olho no lucro individual. Os incomodados que se mudem (de planeta, em breve).
Assim como é impossível atravessar imune a faixa de areia sem ser atacado por rajadas sonoras, é impossível passar um dia sem ser atacado por uma declaração repugnante dos Bolsonaro.
Sem ver a desigualdade social se transformando em miséria e violência. Sem perceber que a população armada e a desvalorização do que é público só favorece as milícias.
Sem perceber que o bolsonarismo é como uma caixa de som na praia.
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