Saúde em Público

Políticas de saúde no Brasil em debate

Saúde em Público -  Instituto de Estudos para Políticas de Saúde
Instituto de Estudos para Políticas de Saúde

Digitalização da saúde pública: um desafio urgente

Número de startups da saúde saltou de 542 em 2020 para 1.158 em 2021 e mostra interesse de empreendedores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ricardo de Oliveira

O maior desgaste de imagem do sistema público de saúde decorre da dificuldade de acesso da população aos serviços de consultas, exames, internações ou cirurgias. Essa situação pode complicar ainda mais com o desequilíbrio na incorporação de tecnologias entre os setores público e privado.

A população assiste propagandas do setor privado usando tecnologias para atender seus clientes e, inevitavelmente, compara com o atendimento que recebe no SUS. Isso coloca para o sistema público o desafio de como se apropriar dessas iniciativas de digitalização dos serviços.

A transformação tecnológica em curso já está alterando profundamente o processo de prestação de serviços em saúde. Esse fato convoca a sociedade na busca de solução de duas questões urgentes: aumentar a velocidade de incorporação de tecnologias nos serviços do SUS e estabelecer parcerias com o setor privado, no sentido de aproveitar o seu esforço criativo e de investimento na digitalização dos serviços de saúde.

Em poucos anos o país irá implantar uma infraestrutura de conectividade que viabilizará uma série de serviços de saúde. A partir do 2022 a tecnologia do 5G já deverá estar disponível nas capitais brasileiras e até dezembro de 2029 deve alcançar todos os municípios brasileiros. A velocidade de conexão pode chegar a ser 100 vezes mais rápida do que o atual 4G. A latência, tempo que leva um sinal ou pacote de dados enviado chegar até o seu destino, passa de 50 a 70 milissegundos no 4G, para 1 a 5 milissegundos no 5G.

De costas, uma pessoa de meia idade segura um celular
O investimento na digitalização da saúde mostra-se cada vez mais urgente - DCStudio

A hiperconectividade permite que sejam conectados até um milhão de dispositivos por quilômetro quadrado. O desenvolvimento da "Internet das Coisas" (IOT) e o armazenamento de informações em nuvem devem propiciar uma evolução do monitoramento remoto de pacientes, cirurgias remotas e mais interatividade nas teleconsultas.

As possibilidades de utilização das tecnologias da IOT são tão vastas na área de saúde que a tendência até ganhou nome próprio: IoMT, ou "Internet das Coisas Médicas" (Internet of Medical Things).

O monitoramento de sinais vitais do paciente poderá ser feito quase em tempo real, por meio de wearables, que são dispositivos "vestíveis", como os relógios e pulseiras inteligentes, capazes de coletar diversos sinais e informações do organismo. Uma vez que nem todos os vestíveis são considerados instrumentos médicos, há também os sensores, que ajudam no acompanhamento remoto de pacientes com doenças crônicas. Essas tecnologias possibilitam avançar numa questão importante para o futuro da atenção à saúde que é o auto cuidado assistido.

Já existem startups desenvolvendo software que permitem que operadoras atuem na atenção primária para atendimento clínico personalizado aos seus clientes. Algumas têm como objetivo oferecer consultas com preços entre R$20 e R$60, tendo como foco atender parte dos 75% dos cidadãos que dependem do SUS.

O número de startups da saúde (healthtechs) passou de 542 em 2020 para 1.158 em 2021, mostrando o interesse dos empreendedores pelo tema. Todo esse processo de digitalização do setor privado poderá aumentar a fragmentação do SUS se não houver uma política pública de saúde que incorpore essas iniciativas.

A boa notícia é que o país já conta com uma estratégia da saúde digital com horizonte de 2020/2028. Um dos projetos mais importantes é o da RNDS - Rede Nacional de Dados em Saúde –parte do Programa Conecte SUS– que estabelece o conceito de uma plataforma padronizada, moderna e interoperável de serviços, informações e conectividade. O objetivo é promover a troca de informações entre os pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS), permitindo a transição e continuidade do cuidado nos setores público e privado compartilhando informações entre todas as instâncias clínicas que atendem ao paciente, seja para diagnóstico, terapia ou cuidados emergenciais.

No entanto, apenas a interoperabilidade de sistemas de informação dos prestadores públicos e privados não resolve todos os problemas do atendimento à saúde da população. Isso pode aumentar a eficiência do sistema atual, mas não soluciona questões como universalidade, integralidade, vigilância em saúde e acesso a medicamentos.

A digitalização dos serviços de saúde no setor privado será uma ameaça ou oportunidade para o desenvolvimento do sistema único, público e universal? A ver.

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção e foi Secretário Estadual de Gestão e RecursosHumanos do Espírito Santo, no período de 2005 a 2010, e Secretário Estadual de Saúde do ES de2015 a 2018. Autor dos livros "Gestão Pública: Democracia e Eficiência" (FGV, 2012) e "GestãoPública e Saúde" (FGV, 2020). Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).Membro do comitê de filantropia da UMANE.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.