Saúde em Público

Políticas de saúde no Brasil em debate

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Ocupar o 13 de maio, para abolir as desigualdades raciais na saúde

Movimento Ocupação do 13 de maio propõe debater questões raciais no campo da saúde pública

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Lívia Ferreira Marta Almeida Rony Coelho Victor Nobre

É preciso um olhar crítico ao 13 de maio, considerado o Dia da Abolição da Escravatura. Faz-se necessário ocupar essa data simbólica não apenas para refletirmos quais práticas precisamos abolir nos dias atuais, mas também para buscar reconhecer que a "abolição inconclusa" traz consequências perversas e nefastas ainda hoje à população negra.

Como destacado anteriormente neste blog [1] [2], a Abolição da Escravatura ocorreu de forma inconclusa – não sob uma ótica jurídica, mas histórico-processual, ao levar em consideração a construção de uma cidadania inacabada. As leis abolicionistas do final do século XIX, ao mesmo tempo que foram importantes para o processo de consolidação da abolição, configuraram-se insuficientes e paliativas. A ausência de políticas efetivas de integração dos escravizados à sociedade e a manutenção de uma lógica de discriminação racial, presente nas relações sociais e econômicas durante todo o século XX, representam condições contemporâneas desfavoráveis à população negra.

O que é verdade para as mais diversas esferas da vida social mostra-se especialmente importante para a saúde desse segmento populacional, que sofre os piores índices dos determinantes sociais do processo saúde-doença e, portanto, os desfechos mais desfavoráveis quando se adotam recortes raciais. Promover a igualdade racial não é só responsabilidade do movimento negro ou do estado brasileiro, mas de todos. A responsabilidade é coletiva, todos devem sentir-se motivados a realizar ações, por menores que sejam, em prol do país que queremos, sem pobreza e discriminação, como destacou a ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR), Luiza Bairros.

O direito à saúde, além de ser um fundamento constitucional, é condição substantiva a todos e todas para o pleno exercício da cidadania. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde deve ser compreendida como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social" e não somente como ausência de afecções, enfermidades e agravantes. Em outras palavras, mais do que o acesso a serviços médico-assistenciais, é preciso enfrentar os determinantes da saúde em toda a sua amplitude e com as especificidades sociodemográficas atinentes.

Manifestante segura cartaz em apoio ao SUS e a vidas negras
Promover a igualdade racial não é só responsabilidade do movimento negro ou do estado brasileiro, mas de todos - Filipe Araújo/Fotos Públicas

Para tanto, é fundamental defender e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) como forma de garantir que a saúde seja um direito exercido sem preconceitos de origem, classe, raça, cor, sexo, idade ou quaisquer outras formas de discriminação, não limitando o debate exclusivamente sobre recursos orçamentários ou assistência médica, mas sim tratando-o como uma questão política, de direitos humanos, de dignidade e justiça social.

Não obstante, conforme destacado pela médica e ativista Jurema Werneck, a saúde da população negra é um campo conceitual historicamente construído por movimentos sociais, coletivos e ativistas negros e negras, especialmente mulheres trabalhadoras da área da saúde. Em decorrência da ausência de programas orientando o sistema de saúde para a atenção à saúde da população negra, tais grupos, há décadas, têm pressionado o governo brasileiro para a criação de uma política que contribua para diminuir as iniquidades nas condições de saúde e adoecimento da população negra.

Com muita luta, foram capazes de construir a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), publicada pela portaria 992, de 13 de maio de 2009. Essa política tem o propósito de combater a discriminação étnico-racial nos serviços oferecidos pelo SUS e sua gestão, bem como promover a equidade racial em saúde. Entre as suas principais diretrizes estão ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de doenças e agravos. Propõe gestão participativa e controle social, considerando que o desenvolvimento das ações ocorre nos Estados e municípios, também responsáveis por esse processo.

Desde sua implantação, a PNSIPN permanece sem grandes avanços. Passados 13 anos da sua oficialização, pouco foi efetivamente implementado para que a política funcionasse conforme o planejado. Sabe-se que, apesar de ser maioria, a população negra encontra-se alijada dos espaços de poder e de construção de políticas públicas. Daí a importância de trazer esse tema ao debate, especialmente nesta data simbólica, para chamar a atenção da sociedade e das autoridades para esse tema tão importante.

Nesse sentido, pesquisadores, movimentos sociais, profissionais de saúde e outros atores que atuam em defesa do SUS, com especial atenção à saúde da população negra, têm tomado iniciativas de forma a incidir no debate acerca da temática supracitada. Essa articulação, envolvendo atores políticos em todo o território nacional gerou o Manifesto em Atenção à Saúde da População Negra no Brasil, escrito a várias mãos e que hoje já conta com adesões em todo o território nacional. Pretende-se que este chegue aos candidatos e candidatas para que as propostas do documento sejam incorporadas em seus programas de governo – pois o racismo segue ausente do debate político em ano eleitoral.

Trata-se de mais uma vez levar o Estado a posicionar-se sobre o racismo imputado à população negra brasileira, e a relação daquele com a saúde e seus indicadores, a nos informar todo dia quem são os usuários do SUS e suas reais necessidades – além da insuficiência de ações para reagir a tais desafios. Na opinião dos ativistas, "não fazem porque não querem" – e isso configura uma forma de racismo. Como principal instrumento de disseminação dessa iniciativa propõe-se a "Ocupação do 13 de Maio", com o objetivo de mobilizar a sociedade diante da necessidade de ações, programas e políticas concretas. Por isso, movimentos sociais, redes, fórum, coletivos, terreiros e intelectuais organizaram uma série de atividades que serão realizadas ao longo do dia todo, em diferentes estados – rodas de conversa, webinars, painéis, palestras, debates, live cultural e sessões de vídeos referentes às questões relacionadas ao combate às desigualdades sociais e ao racismo estrutural.

Assim, as redes implicadas na "Ocupação" e a Cátedra Çare-IEPS – iniciativa do Instituto Çare e do Instituto de Estudos para Política de Saúde (IEPS) – conclamam a sociedade a reagir à ausência de ações de promoção da saúde e prevenção de agravos, à desvalorização da Política Nacional de Saúde da População Negra e à produção de tecnologia e conhecimento, por meio de debates com diversos setores da sociedade, com vistas à garantia do pleno direito à saúde para toda a população.

É preciso Ocupar o 13 de Maio, data que é lembrada pelas desigualdades e violências dos resquícios do período escravocrata a que a população negra foi submetida. A nossa Ocupação deve construir caminhos para equidade, oportunidade, e igualdade na saúde, para abolir de fato o racismo estrutural na sociedade.

Aliança Pró-Saúde da População Negra. Lívia Ferreira é da Rede Nacional de Promoção e Controle Social da Saúde, da Cultura e dos Direitos de LesBicas Negras (Rede Sapatà). Marta Almeida é da Rede Nacional de Promoção e Controle Social da Saúde, da Cultura e dos Direitos de LesBicas Negras (Rede Sapatà). Rony Coelho é pesquisador do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Victor Nobre é estudante de Economia e estagiário de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

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