Saúde em Público

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Saúde em Público -  Instituto de Estudos para Políticas de Saúde
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Solidariedade, capital social e atenção básica

Em Recife, investimentos em Atenção Básica fomentam laços sociais e potencializam políticas públicas de saúde

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Agatha Eleone Caio Rabelo Juliana Martins Andreza Barkokebas Valderez Ribeiro Túlio Quirino

Recife, 2021. Em meio às enormes dificuldades socioeconômicas geradas pela pandemia de Covid-19 e a um iminente cenário de insegurança alimentar no bairro de Jocafi (nome fictício), uma equipe de saúde da família organiza um bazar solidário, onde pessoas de melhor condição financeira trocam alimentos por roupas. Os mantimentos são levados às famílias em situação de insegurança alimentar e a equipe aproveita as visitas para checar as condições de saúde da comunidade.

A história é um exemplo bastante representativo das experiências inscritas na mostra Recife Reconhece, iniciativa que reúne boas práticas na atenção básica do município e é organizada pela Secretaria de Saúde do Recife, através da Secretaria Executiva de Atenção Básica (SEAB) e da Escola de Saúde do Recife (ESR), com o apoio do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da UMANE. São inúmeras as experiências que têm a solidariedade e a formação de vínculos comunitários como valores centrais. Em uma unidade do Programa Academia da Cidade, por exemplo, cidadãs e cidadãos ganham mudas de plantas fitoterápicas e são incentivados a cultivá-las, multiplicá-las e trocá-las periodicamente, reforçando espaços de socialização, intercâmbio de saberes e aumentando a corresponsabilização dos usuários e o autocuidado.

A literatura especializada em políticas públicas deu a esse fenômeno o nome de capital social. O conceito vem dos trabalhos do sociólogo Robert Putnam, que em seu clássico livro Comunidade e Democracia (1993) descreveu como a geografia social da Itália, logo após o esforço de descentralização empreendido pelo governo central, explicava o bom ou mau funcionamento das políticas públicas. Segundo Putnam, as cidades e regiões do Norte do país registraram melhorias consideráveis na qualidade dos serviços públicos após a descentralização porque possuíam uma cultura associativa de grêmios estudantis, loterias comunitárias e clubes sociais - ou seja, uma cultura de convivência igualitária. Por outro lado, as cidades do Sul, marcadas pela desigualdade fundiária e pela falta de espaços de troca e associativismo, padeciam pelo clientelismo e por relações políticas hierárquicas, entraves para a implementação, efetividade e capilaridade dos serviços públicos.

A estratégia de saúde da família é vitoriosa ao inverter a lógica proposta por Putnam: a própria ação do Estado, na figura das unidades e equipes de saúde da família, funciona como um "banco" de criação e fomento do capital social. Isto acontece porque a estratégia de saúde da família se norteia tanto pelos atributos essenciais da atenção primária, como longitudinalidade (estabelecer relações de confiança e vínculo com os usuários), quanto pelos atributos derivados - orientação comunitária, familiar e competência cultural. Ou seja, o trabalho das equipes e unidades precisa, na sua essência, da formação de laços, da busca por espaços associativos nas comunidades e por uma visão integral da saúde.

Agente de saúde atende idosa em Recife
Agente de Saúde durante atendimento em Recife. - Foto: Ikamahã/ArquivoSesau

Considerando que Recife é uma das cidades mais desiguais do Brasil, a atual gestão tem priorizado esse olhar solidário para a atenção básica, buscando o aumento da cobertura da estratégia de saúde da família, o incentivo ao trabalho transversal das equipes nos territórios e o cuidado centrado nas pessoas. Essas são iniciativas fundamentais para que a totalidade das políticas públicas, e não apenas as de saúde, sejam capazes de ter capilaridade e corrigir a loteria do berço.

No início de junho, várias cidades do Nordeste foram atingidas por eventos climáticos extremos, causando um número inaceitável de mortes e agravando o cenário de desigualdades resultantes da pandemia de Covid-19, das mudanças climáticas e da infraestrutura urbana excludente. Em decorrência da catástrofe, a equipe de saúde da família do bairro de Jocafi organizou outro bazar solidário e cozinhas comunitárias para atender aos territórios mais afetados pelas chuvas na capital pernambucana. Entender a potencialidade da atenção básica como produtora de capital social é um dos elementos chave para transformar a solidariedade de agora em instituições, cidadania e bem viver em um futuro próximo.

Agatha Eleone é Pesquisadora de Políticas Públicas do IEPS. Caio Rabelo é Gestor de Projetos do IEPS. Juliana Martins é Secretária Executiva de Atenção Básica da Prefeitura Municipal do Recife. Andreza Barkokebas é Secretária Executiva de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde da Prefeitura Municipal do Recife. Valderez Ribeiro é Gerente de Formação e Educação na Saúde da Secretaria de Saúde do Recife. Túlio Quirino é Chefe da Divisão de Educação na Saúde da Secretaria de Saúde do Recife.  

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