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Saúde Mental: o SUS é o remédio para tirar o Brasil da depressão

Fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é imprescindível para melhorar a saúde mental dos brasileiros

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Dayana Rosa Luciana Barrancos

Já pensou se existisse um lugar para atender, gratuitamente, as pessoas em sofrimento e com transtornos mentais? Pois isso já existe no Sistema Único de Saúde (SUS) e não apenas em um só lugar, mas em um conjunto de serviços e pontos de atenção dos mais variados destinados a este fim: a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

A RAPS, que foi criada em 2011 com o objetivo de ampliar o acesso da população a tratamentos de saúde mental, incluindo as pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas e seus familiares, é essa rede de serviços já estruturada e capilarizada para o cuidado com a saúde mental no Brasil. Por isso, se os próximos governantes querem diminuir os impactos da pandemia de Covid-19 na saúde mental da população, investir na RAPS é um dos caminhos mais curtos e eficientes.

A RAPS oferece tratamentos diversos garantindo a articulação e integração dos serviços de saúde, qualificando o cuidado a quem mais precisa por meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às urgências. A Rede é composta por diversos serviços e ações conforme a tabela abaixo:

Atenção Básica em Saúde - Unidade Básica de Saúde
- Núcleo de Apoio à Saúde da Família
- Consultório na Rua
- Centro de Convivência e Cooperativa
Atenção Psicossocial Estratégica - Centro de Atenção Psicossocial nas suas diferentes modalidades
-Equipe Multiprofissional de Atenção Especializada em Saúde Mental/Unidades Ambulatoriais Especializadas
Atenção de Urgência e Emergência - SAMU 192
- Sala de Estabilização
- UPA 24 horas e portas hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro
- Unidades Básicas de Saúde
Atenção Residencial de Caráter Transitório - Unidades de Acolhimento
- Serviço de Atenção em Regime Residencial - CT's
Atenção Hospitalar - Enfermaria especializada em Hospital Geral
- Hospital Psiquiátrico Especializado
- Hospital Dia
Estratégias de Desinstitucionalização - Serviços Residenciais Terapêuticos
- Programa de Volta para Casa
- Programa de Desinstitucionalização
Estratégias de Reabilitação Psicossocial - Iniciativas de Geração de Trabalho e Renda
- Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais

Fonte: Mais SUS em Evidência - Saúde Mental

Apesar de todo o potencial já existente, nos últimos anos a Rede tem sofrido alterações estruturais sem o respaldo de uma discussão ampla, participativa e baseada em evidências, o que gera assimetrias que prejudicam a qualidade do serviço e o foco nas pessoas que precisam desse tipo de atendimento. Hoje é possível identificar desigualdades de acesso e investimento entre os serviços oferecidos pela RAPS Um exemplo é o aumento, sem fundamentação técnica e debate, do financiamento em serviços difíceis de fiscalizar, como as Comunidades Terapêuticas, e o estímulo a internações psiquiátricas, em detrimento do investimento em em serviços e práticas mais humanizadas que compõem a Rede.

Um passo importante para transformar o cenário brasileiro, caracterizado pelo aumento da depressão e do suicídio, é alcançar cobertura mínima dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os CAPS, nas suas diferentes modalidades, são substitutos ao modelo manicomial, tendo como premissa a importância da integração da família e da comunidade nos processos terapêuticos. Eles são fundamentais para alterar a lógica de que o confinamento é o melhor tipo de tratamento e fazem isso de forma descentralizada, localizados próximos de nossas casas e comunidades.

  • Saiba mais sobre essas e outras propostas para a Saúde Mental na Agenda Mais SUS.

Sabemos que o cuidado com a saúde mental não se dá apenas através do tratamento de aspectos individuais, mas também na articulação para trabalhar os diferentes determinantes sociais e estruturais do adoecimento, o que envolve o acesso à cultura, moradia e espaços de convívio. Por isso, outros serviços que merecem destaque são os Centros de Convivência e Cultura e as Unidades de Acolhimento. Os Centros de Convivência, através da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade, facilitam a construção de laços sociais e a inclusão das pessoas com transtornos mentais. Se os governantes e gestores querem combater o estigma e o preconceito e promover a cidadania, é importante priorizar esse tipo de serviço, equiparando-o aos demais componentes da RAPS - ou seja, o Poder Executivo deve estabelecer custeio mensal e de financiamento mínimo e padronizado em todo o país.

Movimentação de pacientes no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) no noroeste de Campinas (SP). - Foto: Adriano Vizoni/Folhapress

O mesmo deve ser feito com as Unidades de Acolhimento que, por sua vez, têm como objetivo oferecer acolhimento voluntário e cuidados contínuos para pessoas em situação de vulnerabilidade social e familiar e que demandem moradia temporária. Em um cenário de piora dos índices socioeconômicos, como aumento da população em situação de rua, esse tipo de serviço é fundamental para garantir o mínimo necessário para essas pessoas. Este tipo de atendimento pode ser fornecido também por outros equipamentos, como são os hotéis sociais na cidade de São Paulo.

Estados podem também se articular para fortalecer essa rede: o caso de sucesso do cofinanciamento estadual do Rio de Janeiro

Apesar do Poder Executivo Federal ser o principal responsável pelo investimento em saúde mental, os estados também podem contribuir na melhora da saúde mental dos brasileiros. É isso que o estado do Rio de Janeiro tem feito e a iniciativa tem se mostrado uma potente alternativa para a ampliação dos investimentos através do cofinanciamento estadual da RAPS (Cofi-RAPS), resultado possível a partir da aprovação de uma Lei em 2018. Para sair do papel, foi determinado que o Estado empregue 0,25% do Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais na área.

No segundo ano de Cofi-RAPS, o valor repassado foi 13 vezes maior ao que era destinado antes do Programa. Apenas em 2021, foram destinados recursos para 169 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), 53 hospitais gerais com 226 leitos de saúde mental e 136 CAPS. Em um contexto de pandemia, o repasse aos municípios foi vital para ampliar e qualificar a RAPS nos territórios. É o caso do CAPS III Casa Azul, em Mesquita, que passou a ter atendimento 24 horas. A unidade, que antes contava com 14 funcionários, agora tem 57 profissionais de saúde para atender a população do município em suas demandas relacionadas à saúde mental.

Este é apenas um exemplo de que é possível reverter o cenário de adoecimento dos brasileiros. A Rede de Saúde Mental do SUS está aí para acolher quem mais precisa e para atuar na prevenção de novos casos. Sem o fortalecimento de uma rede articulada e capilarizada, como a RAPS, não há remédio que cure o sofrimento e os transtornos aos quais estamos, todos, expostos.

>> Para sugestões de pauta, parcerias e comentários, entre em contato através dos e-mails contato@ieps.org.br e contato@institutocactus.org. Até o próximo Saúde Mental em Pauta!

Dayana Rosa é pesquisadora de políticas públicas do IEPS, administradora pública pela Universidade Federal Fluminense, mestre e doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Luciana Barrancos é gerente executiva do Instituto Cactus, graduada em Direito e Administração de Empresas pela FGV e com MBA por Stanford.  

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