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Filas no SUS se resolvem com resolutividade

Identificar os problemas dos três níveis de atenção à saúde é o primeiro passo para descongestionar o sistema

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As filas são um dos principais desafios para a oferta de serviços no Sistema Único de Saúde (SUS). Um problema antigo que se agravou com a pandemia do COVID-19, que provocou o adiamento de cerca de 1 bilhão de procedimentos, segundo avaliação do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) realizada no final de 2020.

Esse agravamento jogou uma forte luz na questão das filas, que apesar de existir há muito tempo, não tinha tido uma ação governamental à altura do desafio. A solução desse problema entrou com força no debate eleitoral de 2022 como promessa de campanha dos presidenciáveis. A redução das filas de espera no SUS foi uma das prioridades da atual gestão do Ministério da Saúde ainda nos primeiros 100 dias de governo.

O congestionamento das filas de espera é um problema herdado pelo SUS dos antigos sistemas de saúde existentes no país e que ainda não foi resolvido. Todavia, o grande problema não é a existência de filas e, sim o tempo de espera para a realização de uma demanda de saúde principalmente de consultas, exames e cirurgias. Todos enfrentamos filas para sermos vacinados durante a pandemia sem maiores reclamações, ao contrário, o SUS nunca foi tão elogiado.

As longas filas de espera não são um problema de exclusividade do sistema público de saúde. Essa é uma questão que também existe no setor privado, embora em menor dimensão. No entanto, é injusto comparar o tempo de espera dos usuários dos planos de saúde privados, que atendem 25% da população com os do SUS que atendem a 75%, para desqualificar o nosso sistema público. Até porque, proporcionalmente, os recursos financeiros e de infraestrutura disponíveis para o setor público são menores que os do setor privado.

Dito isso, é preciso reconhecer que esse problema afeta diariamente milhões de pessoas em todo o país que dependem dos serviços do SUS e precisa ser resolvido o mais rápido possível. Para isso, é preciso entender todas as dimensões desse problema, identificando suas causas e formulando propostas realmente eficientes para solucionar o represamento dos serviços de saúde país afora.

Pacientes aguardam atendimento em consultório de exames de catarata, pequena cirurgia e oftalmo geral no CEROF, Centro de Referência em Oftalmologia. - Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

A maior reclamação da população é em relação ao acesso e tempo de espera no atendimento de média e alta complexidade no SUS, como consultas, exames e cirurgias. Mas, como resolver esse problema? A solução é implantar o sistema de saúde previsto na constituição e legislações posteriores, conforme explico a seguir.

A Constituição de 1988 criou um sistema público de saúde regionalizado, hierarquizado, com integralidade no atendimento e com a participação dos três níveis de governo. Essas diretrizes tinham por objetivo garantir o exercício do direito à saúde, evitar a fragmentação das ações e o desperdício de recursos, mas, infelizmente, ele não foi implantado como previsto.

O sistema foi organizado com três níveis de atendimento: atenção primária, média e alta complexidade com uma coordenação entre eles. O paciente pode percorrer todos os níveis de atendimento, de acordo com a sua necessidade de saúde. O esperado era que a Atenção Primária resolvesse cerca de 80% dos problemas de saúde da população, a média complexidade 15% e a alta 5%.

Para que o SUS funcione bem é preciso que ele tenha essa resolutividade, descrita acima, em todos os níveis de atenção. Se um deles não for efetivo, o atendimento fica prejudicado, principalmente na atenção primária que deve resolver a maioria dos problemas de saúde da população e, portanto, com maior capacidade de gerar filas nos níveis de atenção seguintes.

No entanto, os governos não fizeram os investimentos necessários para organizar, em todo o país, a infraestrutura necessária (equipamentos, pessoal, gerência, financiamento, parcerias, etc) para o bom funcionamento do sistema. Para se ter uma ideia, na última década houve uma queda de 64% nos investimentos no SUS, segundo pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Os governos também não atualizaram o modelo de atenção à saúde, de acordo com a mudança epidemiológica, hoje com predominância das doenças crônicas, para garantir o exercício do direito à saúde.

O resultado foi a formação de filas e a dificuldade de acesso em todos os níveis de atenção. Não adianta resolver apenas um elo desse ciclo de atendimento, eles são interdependentes e a prioridade óbvia é aumentar a resolutividade da atenção primária, embora todos devam ser analisados para identificar eventuais falhas no seu dimensionamento.

Em síntese, é preciso ter um diagnóstico dos problemas que afetam o atendimento nos três níveis de atenção à saúde, inclusive a coordenação entre eles, para então formular soluções que efetivamente resolvam a demanda da população pela redução do tempo de espera para serem atendidas no SUS. A intervenção em apenas um dos níveis pode melhorar, momentaneamente, a situação do acesso, mas continuaremos com uma "fábrica" de produção de filas. Corremos, também, o risco de fazermos investimentos desnecessários na média e alta complexidade em função da baixa resolutividade da atenção primária.

A melhor estratégia para enfrentar o problema das filas e do tempo de espera tem duas dimensões: a médio e longo prazo, implantar um novo modelo de atenção à saúde de acordo com a situação epidemiológica e a demografia atual, melhorar os processos de trabalho, o gerenciamento, a digitalização e a coordenação de todos os níveis de atenção para garantir a resolutividade esperada; e a curto prazo realizar mutirões para a redução das filas, já existentes, geradas pelo modelo atual de atenção à saúde. Ao longo do tempo os usuários que demandarem serviços ao SUS vão sendo atendidos no novo modelo e a geração das filas e do tempo de espera irão sendo reduzidos até atingir um prazo razoável para a efetivação do atendimento.

Esse novo modelo já existe e está sendo implantado, com sucesso, em várias partes do país há cerca de quinze anos, coordenado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Eu tive a oportunidade de testemunhar a qualidade desse projeto e os seus resultados para os usuários do SUS, quando secretário de saúde do Estado do Espírito Santo, no período de 2015 a 2018.

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção e foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo entre 2005 e 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. É autor dos livros "Gestão Pública: Democracia e Eficiência" (FGV/2012) e "Gestão Pública e Saúde" (FGV/ 2020). É Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e membro do comitê de filantropia da UMANE.

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