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Equipes multiprofissionais na Atenção Primária: desafios e tendências

Apesar da retração dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), modelo continua presente e inspira novas iniciativas

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Renato Tasca Victor Nobre Júlia Pereira Olivia Medeiros

A Atenção Primária à Saúde (APS), graças à sua alta cobertura e à capilaridade dos seus serviços, representa um dos principais pontos de força do Sistema Único de Saúde (SUS). O processo de expansão da APS, iniciado no começo dos anos 2000, teve impacto significativo sobre a melhora de muitos indicadores de saúde da população brasileira. Como principais exemplos estão a queda na mortalidade infantil, no número de doenças cardio e cerebrovasculares e nas internações por condições sensíveis à AP. Além disso, as desigualdades de acesso aos serviços de saúde foram amenizadas, beneficiando os grupos menos favorecidos e avançando rumo à universalidade do sistema de saúde brasileiro.

O sucesso das políticas de Atenção Primária do SUS deve-se à gradual introdução de programas, estratégias e práticas inovadoras, que levaram à construção – e ao contínuo aperfeiçoamento - de um modelo de atenção primária made in Brazil, chamado Estratégia Saúde da Família (ESF). Trata-se de um modelo que possui características singulares como a centralidade das pessoas, das famílias e da comunidade; o enfoque territorial e comunitário; e o trabalho em equipes multiprofissionais. Desta forma, a equipe de Saúde da Família representa um grande esforço de organização do cuidado em saúde, baseado nas necessidades e na cultura da população adscrita.

Uma profissional de saúde branca dá orientações para cinco pessoas, que estão sentadas em semi-círculo.
Núcleos de Saúde da Família atuam como espaços multifuncionais. Na imagem, unidade do NASF em Brasília. - Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

A força transformadora da ESF estimulou o desenvolvimento de outras práticas inovadoras de APS, que foi gradualmente sendo institucionalizada pelo SUS. Alguns exemplos são: as unidades fluviais, que atendem as populações ribeirinhas; os consultórios de rua, que cuidam dos sem moradia; o Programa Mais Médicos, que viabiliza o recrutamento e fixação de médicos em áreas remotas ou difíceis e os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF).

NASF: passo importante para qualificar a atenção primária

Criado em 2008, o NASF tem por objetivo "apoiar a inserção da Estratégia Saúde da Família na rede de serviços e ampliar a abrangência, a resolutividade, a territorialização, a regionalização, bem como a ampliação das ações da APS no Brasil" como aponta o documento do Ministério da Saúde. O programa é concebido não apenas como instrumento de melhora de qualidade e resolutividade da APS, mas também como uma estratégia de fortalecimento da organização do trabalho da Atenção Primária. Isso graças à premissa de revisar a lógica do fluxo de atendimento dos pacientes e o uso de ferramentas modernas como o Apoio Matricial, a Clínica Ampliada, o Projeto Terapêutico Singular, o Projeto de Saúde no Território e a Pactuação do Apoio — todas elas sustentadas por robustas evidências e baseadas no compartilhamento de responsabilidades entre a família e a equipe do NASF.

Apesar de sua relevância, em janeiro de 2020 o incentivo financeiro do governo federal ao programa foi descontinuado. Esta medida implicou em diferentes mudanças no panorama do NASF no Brasil e em suas regiões, além de abalar o uso das ferramentas citadas e o modelo de atenção praticado.

Segundo pesquisa do IEPS divulgada nesta segunda-feira (04/09), entre 2018 e 2022, houve uma queda de 17,2% de equipes NASF no país. A região Centro-Oeste foi a mais afetada, com uma retração de 28%, saindo de 4,2 para 3,6 equipes para cada 100 mil habitantes cobertos por equipes de saúde da família (eSF). Nordeste, Norte e Sudeste, seguiram tendências semelhantes, mas em menor grau, recuando 20,2%, 19,8% e 15,8%, respectivamente. Apenas a região Sul mostrou-se diferente das demais, cuja taxa de equipes NASF praticamente não se alterou. Vale destacar que o cenário identificado no Sul ocorreu sobretudo em função da ampliação do número de equipes NASF em Santa Catarina.

Em relação ao vínculo de profissionais NASF, nota-se uma singela heterogeneidade entre as diferentes categorias. Enquanto a categoria "Médica" (pediatras, ginecologistas-obstetras, médicos homeopatas, médicos clínicos e acupunturistas), ampliou seu número de vínculos NASF em 5,8%, as outras categorias apresentaram redução. Na categoria "Saúde Mental" (psicólogos, terapeutas ocupacionais e psiquiatras), a redução foi de 27%, enquanto nas "demais categorias" (fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, farmacêuticos e sanitaristas), a queda foi de 23,5%.

No número médio de horas trabalhadas, as tendências mostraram-se razoavelmente semelhantes. Isto é, ampliação no número de horas trabalhadas na categoria médica. A exceção ocorreu nas outras categorias, visto que mantiveram-se estáveis durante todo o período.

Proposta do NASF segue presente, apesar das retrações

Nesse sentido, verifica-se que, a partir da extinção do incentivo federal em 2020, ocorreu uma redução da cobertura de equipes NASF em quase todo o Brasil, sendo mais acentuada nas regiões Norte e Nordeste. Vale destacar que estas últimas, além de terem menos recursos, são as regiões mais "dependentes" do NASF para oferecer cuidado integral para os usuários do sistema de saúde, já que nestas áreas existe menor oferta de Média e Alta Complexidade (MAC) e menor cobertura dos planos de saúde.

A descontinuidade do trabalho das equipes NASF que sucumbiram ao fim do financiamento estão impactando diretamente as populações que necessitam de seus serviços. Pessoas com condições crônicas (inclusive saúde mental) ou outras necessidades foram privadas do acesso a especialistas no território onde elas moram. As equipes de atenção primária perderam uma referência essencial para garantir acesso, qualidade e resolutividade do atendimento.

Embora o cenário seja preocupante, observaram-se duas boas notícias. A primeira é que mesmo perdendo 17% das equipes NASF em quatro anos, uma parcela razoável de equipes ainda continua operando. O tombo foi duro, mas não chegou a ser fatal. E não podemos esquecer que tivemos uma pandemia no meio. Isso significa que a proposta do NASF é forte e resiliente. A segunda boa notícia é que o Ministério da Saúde lançou a versão 2.0 do NASF, chamada de eMulti, iniciativa que tem o potencial para inverter a tendência dos últimos quatro anos e impulsionar a expansão dessas equipes a partir de aprimoramentos desse novo modelo.

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Renato Tasca é Consultor Sênior do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e Pesquisador da FGV Saúde; Victor Nobre é Assistente de Relações Institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); Júlia Pereira é Analista de Relações Institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); e Olivia Medeiros é Servidora pública federal do Ministério da Saúde e Mestre em Saúde Coletiva e Especialista em Saúde da Família e Comunidade.

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