Saúde Mental

Informação para superar transtornos e dicas para o bem-estar da mente

Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
Descrição de chapéu Mente

Mindfulness pode mudar comportamento impulsivo para uso de substâncias

Pesquisa foi desenvolvida em mestrado na Unifesp com apoio da Fapesp

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Uma mulher de cabelo preso está sentada com as mãos elevadas praticando meditação
Mulher pratica mindfulness em São Paulo - Karime Xavier - 5.dez.17/Folhapres
São Paulo

A prática de mindfulness pode diminuir a impulsividade de pacientes que vivem em comunidades terapêuticas em tratamento para transtorno por abuso de substância, como álcool e outras drogas, aponta uma pesquisa.

Mindfulness, ou "consciência plena", é um estado mental em que a pessoa volta sua atenção ao presente.

Com origens no budismo e em tradições orientais, o mindfulness chegou ao Ocidente como uma prática laica de meditação utilizada como tratamento complementar para diversos quadros clínicos, como dores crônicas, estresse, depressão e ansiedade. O mindfulness aplicado à saúde foi desenvolvido pelo médico Jon Kabat-Zinn na década de 1970, nos Estados Unidos.

A pesquisa desenvolvida pela psicóloga Ana Paula Donate durante mestrado em psicobiologia na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) analisou o efeito da prevenção de recaída baseada em mindfulness. O estudo foi financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e contou com a orientação da professora Ana Regina Noto, da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp.

Donate integrou o Nepsis (Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias), que faz parte do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, que conduz diversos estudos sobre mindfulness.

O protocolo utilizado na pesquisa foi o MBRP (Mindfulness-based Relapse Prevention, ou Prevenção de Recaída Baseado em Mindfulness), desenvolvido pelo psicólogo canadense Alan Marlatt, em 1985.

Segundo Donate , "existem diferentes protocolos de mindfulness no mundo, os quais podem ser agrupados em intervenções baseadas em mindfulness, sendo que cada um dos protocolos tem práticas específicas, como o MBRP, que foi desenvolvido para pessoas com transtorno por uso de substância".

Do ponto de vista neural, acredita-se que as práticas de meditação para dependência química podem ser vistas como estratégias comportamentais que contribuem para o desenvolvimento de funções cognitivas mediadas pelo córtex pré-frontal, no cérebro.

Estudos mostraram que a região pré-frontal do córtex é prejudicada pelo uso crônico de substância, o que contribui para a manutenção do comportamento compulsivo e impulsivo. Pesquisadores evidenciaram que à medida que o manejo cognitivo é restabelecido através das práticas de meditação, há um aumento da conectividade entre os sistemas top-down do córtex pré-frontal e bottom-up dos circuitos límbicos-estriatais, envolvidos no processamento da recompensa e do comportamento motivado, respectivamente.

"O aumento da conexão entre os sistemas top-down e bottom-up oferece subsídio para a mudança do padrão automatizado dos comportamentos em direção ao uso de substância, como reavaliação da recompensa, reatividade a pistas, assim como reorganização das funções executivas e, portanto, controle da impulsividade", afirma a pesquisadora.

Existem diversos estudos sobre mindfulness conduzidos ao redor do mundo, considerando grupos clínicos e não-clínicos. Essas pesquisas mostraram que a prática pode auxiliar na redução não só do estresse e da ansiedade, mas também da depressão e da fissura provocada pela falta da droga.

Donate explica que existem dois tipos de práticas de meditação: as formais e as informais. As práticas informais são exercícios que podem ser realizados durante atividades rotineiras, como lavar as mãos, comer ou caminhar, sem necessariamente estar em postura de meditação, como ocorre nas práticas formais.

"Do ponto de vista prático, praticar mindfulness envolve prestar atenção nas etapas que envolvem determinada atividade ou ação, além de escolher ter uma atitude de abertura para observar as sensações, pensamentos e emoções. Nesse caso, o convite é levar a qualidade de atenção, consciência e abertura para uma atividade do dia a dia", detalha.

Na pesquisa, foram incluídas pessoas com transtorno por uso de substância, incluindo álcool, cocaína, maconha e crack, que estavam em tratamento em uma comunidade terapêutica em Campinas, no interior de São Paulo.

A participação foi voluntária e aconteceu enquanto estavam dentro da instituição. Antes de iniciar o estudo, as pessoas foram entrevistadas a fim de verificar se atendiam aos critérios de inclusão, como estarem há ao menos 15 dias sem consumo de substância, falarem português e não apresentarem quadro neurológico grave. Ao final da entrevista inicial, 86 pessoas foram selecionadas para integrarem o estudo, sendo que 45 receberam a intervenção de meditação.

Foram realizadas, pelo menos, cinco diferentes práticas de meditação formal, como meditação dos sons, meditação dos pensamentos e meditação da respiração. As práticas foram conduzidas ao longo de oito semanas consecutivas por dois facilitadores que possuem formação no protocolo do MBRP.

Os encontros ocorreram uma vez por semana, com duração de duas horas. O grupo foi composto por um número fixo de pessoas do início ao fim, não sendo permitida a entrada de novos participantes. Os demais participantes receberam a intervenção controle, isto é, os colaboradores da comunidade terapêutica ofereciam atividades que incluíam técnicas dos 12 passos de prevenção de recaída, que são intervenções geralmente oferecidas em comunidades terapêuticas.

Os resultados do estudo mostraram uma discreta diminuição da impulsividade entre as pessoas que receberam a meditação em comparação com aquelas que receberam a intervenção controle. Segundo Donate, este foi o primeiro estudo que investigou os efeitos do MBRP por oito semanas em comunidade terapêutica no Brasil. A experiência apontou a necessidade de adaptações do protocolo para essa população, incluindo o fluxo de entrada de novos participantes no grupo e a duração da sessão de meditação.

"Discutimos a possibilidade de adaptar para um protocolo que seja contínuo e que permita que novos integrantes participem mesmo após o início do grupo, bem como a diminuição do tempo da sessão, que passaria a ser de, no máximo, uma hora, prolongando-se assim a quantidade de encontros. Do ponto de vista prático, isso parece fazer sentido para o nosso ambiente e para as características da nossa população. Resta saber se, do ponto de vista neurobiológico, cognitivo e comportamental, também terá impacto na impulsividade. Dessa forma, novos estudos precisam ser elaborados", afirma Donate.

Siga o blog Saúde Mental no Twitter, no Instagram e no Facebook.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.