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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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O caso de Anna O. e o surgimento da psicanálise

Psicóloga conta como Freud deu início à abordagem terapêutica

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São Paulo

Bertha Pappenheim, que ficou conhecida pelo pseudônimo de Anna O., foi uma paciente supervisionada por Sigmund Freud (1856-1939). O seu caso ficou famoso por ter dado início à psicanálise desenvolvida pelo médico austríaco.

Atendida inicialmente por Josef Breuer (1842-1925), a jovem de 21 anos apresentava paralisia de membros superiores e inferiores, contraturas musculares, sonambulismo, alucinações e perda da linguagem, passando, inclusive, a se comunicar somente em inglês —sua língua materna era alemão.

Os sintomas, na época, eram associados à histeria, diagnóstico que atualmente é nomeado como transtorno dissociativo ou conversivo.

Breuer pediu que Freud acompanhasse o caso de Anna. Os sintomas haviam surgido após a morte do pai, de quem ela era muito próxima e ajudou a cuidar durante a doença.

Anna foi estimulada por Freud a se lembrar de fatos traumáticos. Após recordar e falar sobre essas situações, os sintomas foram desaparecendo. A própria jovem chamou esse método de "cura através da palavra".

"O caso de Anna O. é de fundamental importância para a psicologia e a psicanálise porque nos mostra como muitas vezes nosso corpo 'fala' sobre algo que permaneceu alheio, à parte da nossa consciência, ou seja, fala sobre inscrições emocionais que de alguma maneira ainda não foram intermediadas pela palavra e, que, ao serem, adquirem um novo estatuto, uma nova forma", diz Ana Gabriela Andriani, psicóloga especialista em terapia de casal e família, mestre e doutora pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise.

O método terapêutico criado Freud consiste na interpretação, por um psicanalista, dos conteúdos inconscientes de palavras e ações. A psicanálise enfatiza a importância de mergulhar no inconsciente do sujeito analisado para superar transtornos psiquiátricos, como a depressão.

No texto a seguir, escrito para o blog Saúde Mental, Andriani explica a importância do caso de Anna O. para o surgimento da psicanálise.

O caso Anna O.: o atendimento que Freud considerou como o primeiro do tratamento psicanalítico e suas contribuições para a psicologia

Por Ana Gabriela Andriani

Freud, médico neurologista austríaco, iniciou o seu trabalho dedicando-se ao estudo e produção de conhecimento sobre o aparelho psíquico. Em 1895, publicou "O projeto para uma psicologia cientifica", fundamentado em conceitos da biologia evolutiva e da física, que tinha como objetivo a tentativa de construção de uma ciência qualificada sobre o sistema nervoso. Sendo assim, na época em que desenvolveu o "projeto" estudava profunda e meticulosamente o funcionamento dos neurônios (antecipando descobertas futuras da neurologia sobre as sinapses neurais, inclusive) para a produção da sensação de dor, prazer, produção da memória, vontade, dentre outros, além do comportamento e o funcionamento de pessoas que possuíam afasias e histeria.

No momento em que se aprofunda no estudo da sintomatologia vivida pelas histéricas (era grande o número de mulheres acometidas por esta psicopatologia na época), uma importante transformação se dá sobre o modo como Freud vinha pensando e formulando sua prática clínica.

Da observação e atendimento das histéricas, especialmente na clínica em que trabalhou com o médico Jean-Martin Charcot, começou a constatar que os sintomas físicos vividos por estas mulheres, como, por exemplo, cegueira, paralisia de membros, perda de memória e a perda da capacidade de falar, não estavam relacionados a nenhuma doença de causa orgânica.

Em 1880, o neurologista é chamado por Josef Breuer —médico psiquiatra que também atendia histéricas e do qual se tornou amigo— para acompanhá-lo no tratamento de uma paciente de 21 anos, chamada Bertha, mas denominada por Breuer de Anna O.

A jovem, detentora de um intelecto vigoroso e, segundo o próprio Freud, dotada de "notável inteligência, intuição e surpreendente capacidade de apreender as coisas", em determinado momento de sua vida, começou a apresentar sintomas bastante assustadores e desafiadores de serem compreendidos à época, como a paralisia de membros superiores e inferiores, contraturas musculares, sonambulismo, alucinações, perda da linguagem, passando, inclusive, a se comunicar somente em inglês, língua não materna.

O surgimento e intensificação dos sintomas coincidiam com a morte do pai, com o qual Anna O. tinha um vínculo bastante intenso.

O tratamento consistia em que Anna fosse hipnotizada —prática mais à frente abandonada por Freud— e, durante a hipnose, era estimulado que ela se lembrasse de fatos e situações que tinham sido traumáticos em sua vida. Após recordar tais situações e revivê-las emocionalmente, os sintomas iam desaparecendo.

Neste momento, Freud começou a perceber que as cenas traumáticas recordadas haviam sido reprimidas para que sofrimentos fossem evitados, mas, ao serem reprimidas, terminavam aparecendo de uma outra forma, por meio de sintomas motores, linguísticos e neurológicos.

A beleza deste caso está no fato de que é a partir dele que Freud vai se dando conta da existência de conteúdos que são, por nossos mecanismos de defesa, afastados da consciência, ou seja, da possibilidade de serem pensados e elaborados. Neste momento, começou a desenvolver então a sua teoria sobre o aparelho psíquico que seria composto pela dinâmica consciente/pré-consciente/inconsciente, chamada de Primeira Tópica.

Interessante saber também que, com o tempo, a própria Anna O. denominou o método utilizado para seu tratamento como "talking cure", ou seja, "cura através da palavra" —o que pode ser entendido como resultante do desenvolvimento da capacidade de representação, de pensamento e, portanto, de construção de linguagem sobre o vivido.

É neste momento que nasce a psicanálise freudiana e, junto com ela, todo o arcabouço teórico que influenciou tanto a psicologia como as demais psicanálises que foram com o tempo sendo construídas, como a kleiniana, bioniana, lacaniana, winicottiana, dentre outras.

O caso de Anna O. é de fundamental importância para a psicologia e a psicanálise porque nos mostra como muitas vezes nosso corpo "fala" sobre algo que permaneceu alheio, à parte da nossa consciência, ou seja, fala sobre inscrições emocionais que de alguma maneira ainda não foram intermediadas pela palavra e, que, ao serem, adquirem um novo estatuto, uma nova forma. Essa é a função da análise, em que nos encontramos com quem somos e expandimos a nossa capacidade de pensar sobre nós mesmos, sobre a nossa história e sobre o mundo.

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