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Nova crise política opõe peronistas na Argentina

Presidente e vice deixam cada vez mais evidentes suas diferenças, causando incerteza no comando

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Buenos Aires

No meio da crise que se armou na cúpula do governo argentino na segunda-feira (31), com a renúncia de Máximo Kirchner como líder do bloco governista no Congresso, o presidente Alberto Fernández deixou escapar, numa frase, como de fato funciona seu governo: "Há um ponto em que o presidente sou eu e sou eu que tenho que tomar uma decisão".

O que quis dizer com isso? Há um ponto. Em muitos outros pontos, o presidente não é ele, pelo menos não na prática.

É o que dizem os números revelados em janeiro por uma pesquisa do instituto Poliarquía. Para apenas 8% dos argentinos entrevistados, quem governa de fato a Argentina é Alberto Fernández. E para 28%, trata-se de Cristina Fernández de Kirchner.

Não seria um problema caso ambos pensassem igual sobre temas importantes, ou que houvesse diálogo e complementação nos assuntos sobre os quais não concordam. Infelizmente, não é assim.

O assunto da vez é o acordo com o FMI. Anunciado na sexta-feira, ele ainda tem detalhes por ajustar. A Ar

A vice argentina, Cristina Kirchner, acena para apoiadores, enquanto o presidente Fernández olha para outro lado
A vice argentina, Cristina Kirchner, acena para apoiadores, enquanto o presidente Fernández olha para outro lado - Matias Baglietto/Reuters

gentina cederia pouco em ajustes, embora vá ter de fazê-los, compromete-se a reduzir a emissão monetária e o déficit fiscal e, sim, terá de pagar, ainda que com um prazo mais ameno, os US$ 44 bilhões que ainda deve ao Fundo Monetário Internacional.

Para Fernández, era essencial sinalizar que a Argentina não daria um novo calote. O ministério da economia e uma solução para a dívida do FMI foi o pouco que ele conseguiu manter sob seu controle direto depois da tremenda derrota que o governo sofreu nas primárias das legislativas do ano passado. Na ocasião, Cristina Kirchner colocou um freio em seu candidato fantoche. Comandou uma troca de gabinete em que prevaleceram os nomes cristinistas contra os albertistas, os caudilhos regionais das províncias contra os quadros técnicos que o presidente havia escolhido.

Cristina ficou meses sem falar com Fernández, culpando-o pelo desgaste do governo causado por erros dele, o de ter permitido a festa da primeira-dama em plena quarentena, o do escândalo do fura-fila da vacina, o caos que foi o velório de Maradona. Hoje, na Casa Rosada, ambos não convivem. Nos bastidores, conta-se que são ministros e assessores os que levam recados de uma sala até a outra, e há divisão de horários para que não se cruzem nos corredores.

Sinais de que o casamento vai mal, e quase termina, tivemos muitos. O principal, em setembro do ano passado, quando Cristina mandou uma carta aberta a Fernández para "lembrá-lo que ele só está na presidência" por indicação dela. Desta vez, em vez de mandar uma carta, o porta-voz foi o filho de Cristina e Néstor, hoje deputado da aliança governista. A mensagem de mãe e filho é clara, o kirchnerismo não quer o acordo com o FMI. Não quer ajustes porque isso debilita a massa de voto popular do peronismo, não quer pagar o fundo porque vai de encontro a seu discurso ideológico e, mais que isso, talvez, não quer o acordo porque ele fortalece o albertismo dentro do governo peronista. É importante lembrar que, se Cristina mantém o núcleo duro dos votantes peronistas, Máximo move a juventude engajada em várias organizações que promovem manifestações e atos públicos.

Ah, e o acordo terá de passar pelo Congresso. Ou seja, além de convencer a oposição, será necessário convencer os parlamentares kirchneristas.

O cenário da política argentina volta a complicar-se, não por um enfrentamento de partidos ou por uma indisposição com os opositores. Mas sim, por conta de um racha no próprio peronismo. Alberto, mais que nunca, se mostra um presidente sequestrado.

Neste quadro, a mesma pesquisa da Poliarquía mostra que a oposição parece apenas assistir a esse espetáculo. Nenhum quadro apresenta mais de 40% de aprovação. O ex-presidente Macri tem pouco mais de 22% de popularidade e a ex-governadora Maria Eugenia Vidal, 35%.

De onde vão surgir as opções para 2023, ainda parece ser um mistério.

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