Sylvia Colombo

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Amazônia colombiana tem mesmos dramas da brasileira, mas soluções estão na agenda

Desmatamento, pesca e garimpo ilegais também afligem a floresta nos países vizinhos

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Buenos Aires

O brutal assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira chocou o Brasil e deu ao tema dos delitos cometidos contra a natureza na Amazônia uma projeção internacional. Ainda se está por ver se ataques sanguinários como estes, contra jornalistas e defensores da natureza, terão de fato uma consequência refletida em políticas públicas mais eficazes. Porém, um mês depois de suas execuções, é inevitável olhar para os números e ver que a Amazônia, assim como outros ecossistemas da América Latina, estão cada vez em maior risco, principalmente pelo fato de que seus protetores têm sido alvo de verdadeiras políticas de morte.

Depois de uma breve temporada na Colômbia, vi que o assassinato da dupla era assunto também neste país, com quem, sim, compartilhamos a Amazônia. Apesar de o presidente Jair Bolsonaro repetir aos quatro ventos que a Amazônia é dos brasileiros, vale lembrar que até mesmo a geografia o contradiz: 60% dela está no Brasil, 13% no Peru, 10% na Colômbia, além de também se espalhar pela Bolívia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Suriname e Venezuela.

Do lado colombiano, os ataques a defensores da natureza são os mais intensos, segundo os relatórios da ONG Global Witness. Há pelo menos três anos, a Colômbia é o país com mais assassinatos, a maioria deles impunes, contra ambientalistas, guardiões da floresta e indigenistas. Foram 195 apenas nos últimos três anos.

As razões mais gerais são parecidas às do Brasil. Os mortos tentavam, com poucos recursos e com a ajuda de indígenas locais, defender a região do desmatamento, da pesca e da mineração ilegais e do narcotráfico. Os mandantes dos crimes, dos dois lados da fronteira, estão numa nebulosa aparentemente intocável que envolve o comando dessas máfias e, não raro, têm a proteção de autoridades locais coniventes e corruptas.

Outros motivos são mais particulares. Eis os da Colômbia.

Por mais de cinco décadas, a parte amazônica colombiana esteve mais preservada, ainda que por um motivo negativo. As florestas eram quartéis das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e o local onde centenas de pessoas sequestradas pela guerrilha passavam meses, às vezes, anos. Isso mantinha afastadas das áreas verdes até mesmo as máfias dos crimes ambientais.

Com o acordo de paz que desmobilizou a guerrilha em 2016, a área ficou mais exposta, tanto a facções criminosas quando a exploradores ilícitos de produtos da floresta. A reação de alerta veio de indígenas e ONGs, que se levantaram pela proteção da mata. E esta é a guerra que estão perdendo, tendo muitos de seus integrantes assassinados.

Além da Amazônia, a Colômbia tem outros territórios em que a natureza reina, cobrindo quase 30% de seu território. Ambientalistas vêm alertando que, durante o governo do centro-direitista Iván Duque, as ameaças contra eles vêm aumentando, assim como a impunidade daqueles que lhes disparam. Duque argumenta que o desmatamento é necessário para ganhar espaço a facções criminosas.

Só não admite que, assim, vai criando um deserto.

Agentes da polícia, com helicóptero, realizam operação na Amazônia colombiana
Polícia realiza operação contra o narcotráfico na Amazônia colombiana - Jhon Paz/Xinhua

Contrário ao acordo de paz, mas obrigado constitucionalmente a cumpri-lo, o presidente Iván Duque fez o possível para colocar obstáculos a alguns de seus artigos. Um deles determinava que a desarticulação dos plantios de coca destinados a fabricar cocaína deveria ser manual, e portanto mais lento. Sob forte pressão da gestão do ex-presidente Donald Trump, Duque voltou a aplicar, por via aérea, a chuva de químicos para matar as plantações. Os camponeses reclamaram, com razão, pois este método matava não apenas os plantios de coca, mas também as outras colheitas, a mata e a eles mesmos e suas famílias.

Especificamente nesta luta para que o governo abandonasse o uso de químicos nas plantações de coca, foram mortos nos últimos anos 17 ambientalistas.

Onde há mais baixas entre os defensores da natureza estão, porém, as zonas que servem de rota para o narcotráfico e entre aqueles que se opõem aos abusos da mineração a céu aberto e as que deslocam populações indígenas ou contaminam suas águas, principalmente na região amazônica. Das 65 mortes de 2021, 34 estavam relacionados a esse tema, o que significa um aumento de 60% com relação a 2018.

Sobre os crimes na Colômbia, Ben Leather, diretor do Global Witness, diz: "Até que não existam investigações e sentenças por parte dos governos, não saberemos definitivamente quem são os perpetradores dos ataques a defensores da natureza. Ainda assim, é muito útil reportar sempre, porque nos dá ideia do que ocorre nessas zonas".

Assim como Jair Bolsonaro, Iván Duque também se apresenta em fóruns internacionais como um defensor da natureza. Entre 2019 e 2020, porém, 8% da Amazônia colombiana foi desmatada.

O presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, afirma querer combater essas máfias e mudar o modelo econômico do país, para que deixe de ser baseado no extrativismo. Está claro que se enfrentará a interesses ilícitos enraizados historicamente a uma oposição política contrária a que esse pesadelo ambiental termine. Há que se torcer para que tenha sucesso nessa área, e que não apenas deixem de morrer os defensores da natureza, mas também ela mesma.

Seria vital, ainda, que encontrasse, do lado brasileiro, uma parceria à altura para cuidar da Amazônia.

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