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Reabertura de fronteira com Venezuela pode ser tiro pela culatra para Petro

Presidente colombiano mostra pressa para colocar medidas transformadoras em prática

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Buenos Aires

O presidente colombiano Gustavo Petro tem pressa. Não é para menos, nos dias atuais, parece que líderes democraticamente eleitos na região têm tido uma trégua muito curta e um desgaste muito rápido, em geral devido à situação econômica pós-pandemia, a alta polarização e a crise do sistema de representação democrática. Na esperança de evitar uma derrota política como a de Gabriel Boric com o plebiscito no Chile com menos de seis meses no cargo, Petro acelera sua agenda de mudanças.

Primeiro, foi o anúncio do projeto da "paz total", a ideia de negociar acordos com guerrilhas e organizações criminosas, sem antes se estabelecer com mais clareza qual a diferença dos termos para os acordos com grupos que têm uma agenda política, como o Exército de Libertação Nacional, e facções do narcotráfico cuja pauta é apenas a do delito e do lucro. Na última segunda-feira (26), a direita organizou uma manifestação, cujo resultado foi tímido, mas que pode crescer no caso de o plano não oferecer resultados rápidos no sentido da diminuição da violência.

Em um discurso que pode ser considerado histórico na Assembleia Geral das Nações Unidas, Petro pediu o fim da política de "guerra às drogas", até hoje incentivada pelos EUA, e que já causou milhares de mortes de colombianos e mexicanos, principalmente, e de outros latino-americanos em geral. Porém, para que isso vire uma política de Estado realmente transformadora, falta a Petro resolver equações muito mais simples. Por exemplo, como será a substituição real da destruidora política de erradicação da coca com glifosato que vem adoecendo e matando milhares de camponeses nos últimos anos, e de estabelecer um diálogo concreto com a sociedade colombiana sobre a necessidade da legalização das drogas. Os que saíram às ruas de Bogotá para protestar demonstram que a comunicação ainda precisa melhorar muito para que se construa um consenso sobre as propostas de Petro com relação ao narcotráfico, ao "perdão social" e o esvaziamento de cadeias, intenções que ele reforçou em Nova York.

Homem segura bandeira da Venezuela em reabertura da ponte Simón Bolívar, na fronteira com a Colômbia
Homem segura bandeira da Venezuela em reabertura da ponte Simón Bolívar, na fronteira com a Colômbia - Divulgação/Presidência da Colômbia

No caso da Venezuela, com quem o país reabriu parcialmente a fronteira também na última segunda-feira, o tema é ainda muito mais sensível. Quem conhece a região fronteiriça sabe que, em primeiro lugar, a fronteira nunca esteve de fato fechada nestes últimos anos. Por meio das mesmas "trochas" (trilhas clandestinas) usadas pelo contrabando e o narcotráfico também circulam as crianças que moram de um lado da fronteira e estudam do outro, idosos que buscam um melhor hospital e até mesmo a reportagem da Folha, que cruzou ida e volta sem que sequer houvesse perguntas sobre documentação. As "trochas" não são apenas perigosas por conta das máfias que atuam ali, mas porque seus caminhos são sinuosos, acidentados, em muitos casos se caminha com água pelos joelhos.

É claro que a normalização do descontrole desse tráfico é negativa, cruzar clandestinamente traz enormes riscos, mas reabrir ignorando todo o negócio e as máfias que passaram a controlar as trilhas ilegais de nada serve. Cidadãos sem documento continuarão atravessando por ali, pagando os impostos ilegais cobrados pelos que controlam as rotas, estimulando a corrupção dos soldados destinados a vigiar o passo mas que são impotentes para conter as irregularidades, e correndo risco de sequestro e de morte.

Mais de 75 "trochas" foram abertas durante o período de "fechamento" das fronteiras. Simplesmente não é possível pensar em reestabelecer a normalidade das vias legais sem combater os problemas sociais, delitivos e de segurança que nasceram e se instalaram com os caminhos alternativos.

Petro vendeu a reabertura como uma política em que os dois lados ganhariam imediatamente. Se a população local desta que é a mais viva das fronteiras da América do Sul claramente se beneficiam, por outro, a reabertura parcial traz problemas ao não vir acompanhada de uma política de reaproximação diplomática e política. Petro hesita nestes quesitos, pois sabe o quanto será criticado por normalizar ou relativizar a ditadura chavista.

O presidente colombiano oferece a Maduro uma ideia de fim do isolamento, mas tem sofrido críticas por não fazer alusão aos abusos de direitos humanos, apenas recentemente reconfirmados pela ONU, que ocorrem do lado venezuelano. O que Petro mais deseja da Venezuela é sua ajuda para estabelecer o diálogo com o ELN. Sem Maduro, a Colômbia não tem chance de atingir esse objetivo, uma vez que o ELN está enraizado na Venezuela e se mantém por conta de uma proteção dada pela ditadura. Mas a Venezuela cobra caro, quer, por exemplo, a repatriação de opositores políticos como Julio Borges e jornalistas críticos ao regime. Também pede a Petro ajuda para o levantamento de sanções contra o regime.

"Petro não pode normalizar Maduro sem pedir contrapartidas com relação aos direitos humanos, se quer ajuda com o ELN. Petro precisa estimular o chavismo a conceder aos venezuelanos a chance de escolher um presidente assim como os colombianos escolheram a ele. Não há ganhos para a Venezuela nessa reabertura", disse o líder opositor Leopoldo López em entrevista à revista Semana.

Apesar do circo armado na segunda-feira em Cúcuta, com bandeiras dos dois países distribuídas em ambos os lados, caminhões cobertos por suas cores, e a festa comandada por Petro, a correria em preparar o espetáculo deu de cara com a dura realidade. Algumas das pontes, por não serem usadas há tanto tempo, precisam de reparação, algumas delas só poderão operar com um fluxo mínimo de veículos para não desabar. A famosa ponte de Tienditas, por onde se pretendia transportar ajuda humanitária na operação arquitetada por Juan Guaidó e os EUA em 2019, não pôde ser inaugurada até porque jamais foi usada e está cheia de irregularidades.

No que diz respeito ao tráfico aéreo, três das cinco empresas a quem foi permitido voltar a voar entre os dois países tiveram problemas primários como encaixar os voos no tráfico já existente, o que causou atrasos e cancelamentos, ou não conseguiram preparar as aeronaves para o trajeto. A empresa Conviasa, que Petro havia liberado para voar entre Bogotá e Caracas, não pôde estrear porque está sancionada pelos EUA e não nem como deixar território venezuelano.

Alguém precisa avisar o presidente Petro que a pressa é inimiga da perfeição. E que esses erros e atropelos apenas alimentam seus críticos dos dois lados da fronteira.

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