Thaís Nicoleti

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Thaís Nicoleti

Mulher chorando (ou não)

É vergonhoso expressar as dores de amor?

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Obra "Mulher Chorando" (1937), do pintor espanhol Pablo Picasso
Obra "Mulher Chorando" (1937), do pintor espanhol Pablo Picasso - Reprodução

Segundo nos informa o dicionário "Houaiss", lágrima é uma "secreção límpida, incolor e salgada, produzida pelas glândulas lacrimais, que umidifica a conjuntiva e a córnea, exerce uma ação bactericida e expulsa pequenos corpos estranhos e a poeira que penetra nos olhos". Na definição, não há pista alguma daquilo que desencadeia esse processo de limpeza e desinfecção. O que sabemos, em geral por experiência, é que, além da cebola, são as emoções que o deflagram.

Nos últimos dias, as lágrimas e as "não lágrimas" femininas foram tema de comentários nas redes sociais e de artigos na imprensa. Houve quem enaltecesse as lágrimas da ministra Rosa Weber, 75, em sua despedida do STF, e, ato contínuo, desmerecesse as da jovem cantora Luísa Sonza, 25, que, traída pelo namorado, foi a um programa de televisão, no qual leu uma carta endereçada ao dito-cujo. Luísa, enquanto lia, chorava e emocionava a apresentadora, Ana Maria Braga, que discretamente evitava que a secreção lhe escorresse pela face.

A cantora, embora tenha recebido a solidariedade dos fãs, sofreu muitas críticas por seu gesto. Os que não a acusaram de derramar lágrimas de crocodilo, numa espécie de estratégia de marketing, fizeram galhofa, tomando como ridícula a sua emoção e até lembrando que ela chorou ao lado de um papagaio de borracha. Ao que tudo indica, o que tornaria Luísa ridícula seria o motivo de seu pranto, ou seja, uma história de amor que terminava em decepção.

Houve quem comparasse a sua atitude com a da cantora Sandy, 40, que, na mesma semana, anunciou sua separação de Lucas Lima em outro programa de televisão, sem papagaio, só com gente fina. Sandy teria sido madura e elegante, pois, afinal, comunicou a separação – ao lado do já ex-marido – com a mesma ternura com que participara o próprio casamento. "A gente se ama" etc. e tal. O marido foi na mesma linha: "A gente ressignificou o amor" etc. Nada de ressentimentos, nada de lágrimas. Cantaram juntos suas músicas românticas, Sandy não desafinou uma nota, Lucas caprichou no violino – e vida que segue. Ninguém tomaria tamanha "fofice" como estratégia de marketing.

Do lado de cá, como meros espectadores das dores alheias, queremos acreditar que Sandy e Lucas não tenham sofrido nem alimentem mágoas um em relação ao outro, ou seja, que um amor pode terminar sem dor. Esse seria o protótipo do casal perfeito. Enquanto isso, Luísa Sonza chorava.

Luísa Sonza e Ana Maria Braga no programa Mais Você em que a cantora anunciou fim de namoro - 20.set.2023/Globoplay

Afinal, é vergonhoso chorar por um amor? De certa forma, a sociedade nos diz isso todos os dias. A aprovação do estilo Sandy e a condenação do estilo Sonza são provas disso. O amor, no entanto, e principalmente as tristezas que ocasiona são a matéria-prima da maior parte das letras do cancioneiro popular – de todos os gêneros – e da poesia. Ao que tudo indica, esse é um sentimento real, que pode acometer qualquer um.

Entre expressar a dor e não expressar, entre sentir vergonha do próprio sentimento e pedir ajuda, há os que silenciam e implodem no transbordamento interior.

Esta breve reflexão termina com um poema de Luís Vaz de Camões (1524-1580), um dos vários textos líricos em que o poeta fala de amor e lágrimas, tema que atravessa a história da humanidade.

"Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas, que não cansam de cansar-me;
Pois não abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar

Não canse o cego Amor de me guiar
A parte donde não saiba tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto me a voz fraca não deixar.

E se em montes, em rio ou em vales
Piedade mora ou dentro mora amor
Em feras, aves, plantas, pedras, águas,

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor,
Que grandes mágoas podem curar mágoas."

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