Vida de Alcoólatra

O silêncio mortal da bebida

Vida de Alcoólatra - Alice S.
Alice S.
Descrição de chapéu Todas guerra israel-hamas

Minha guerra contra o alcoolismo

O que escrevo aqui tem importância; existem muitas pessoas sob bombardeio constante que precisam de ajuda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Acordei animada para escrever a coluna. Abri o computador e vi as notícias da guerra no Oriente Médio. Deu bloqueio. Pensei: não tem clima. Levantei, chorei um pouco e fui tomar café. Eu sou chorona: quando começo, demoro pra parar. Então pela manhã fiquei lá, esparramando lágrimas de dores que nem sei exatamente quais eram, ou melhor, sei, mas não cabe aqui falar disso. Daí fui para o chuveiro.

Hoje em dia eu gosto muito de esquecer da vida deixando a água escorrer. Digo hoje em dia porque no alcoolismo ativo não era um costume que eu tinha. Os banhos eram rápidos e... escassos. Triste falar isso de uma mulher adulta, mas é a verdade. Não tinha foco nem para cuidar da higiene.

Palestinos procuram vítimas entre escombros do ataque de Israel ao campo de Jabalia, na Faixa de Gaza - Mohammed al-Masri/Reuters

Pois bem, lavei o cabelo e fiquei ali sentindo o cheiro do xampu enquanto o choro aquietava. Foi bom, foi restaurador. Talvez a falta do banho colaborasse com a minha entrega à doença. (O banho, assim como o café, dá uma chacoalhada na cabeça encharcada de álcool.) Com o conforto que o banho me trouxe, fui correndo para o computador, pensando que esse cuidado que hoje tenho, e que atinge todos que estão ao meu redor, é fundamental.

Sempre fui justiceira e briguenta, sempre querendo consertar o mundo, mas não me dava conta de que vivia uma guerra particular muito desleal e não conseguia sair dela. Não percebia que não adiantava comprar briga por assuntos que estão longe, mas que poderia, sim, modificar comportamentos meus que estavam transformando em campos de guerra os ambientes pelos quais passava. Levava muitas pessoas comigo para as trincheiras e me escondia para não ser pega e entregue para o meu inimigo daquela guerra: minha família e as pessoas que queriam me ver bem.

Então me dou conta de que hoje o melhor que faço é cuidar de cada cantinho, de cada minuto do meu cotidiano. Desde arrumar a cama, o quarto, atentar para a higiene pessoal e para a alimentação. Cuidar de mim e de tudo que está ao meu redor e ao meu alcance. Ajudar aqueles com quem convivo, prestar atenção nas pessoas que estão tristes ou raivosas e procurar um modo de consolá-las. Tudo isso me faz forte e alimenta a energia boa e da qual tanto precisamos no mundo. A guerra que eu posso modificar é a do meu alcoolismo. Pois tenho certeza de que o que escrevo aqui tem importância: existem muitas pessoas que estão sob esse bombardeio constante e precisam de ajuda.

A impotência diante das imagens do Oriente Médio é um sentimento que acredito ser comum a muita gente, mas o que eu faço com o que acontece comigo é que faz toda a diferença ao meu redor, hoje. Pelo menos pra mim, é claro. Se eu estivesse na ativa, iria prontamente beber porque o mundo estava em guerra, seria mais do que justificável, mas aí não zelaria por minha pequena área e estaria cega para o mal que consequentemente provocaria em todos que estavam ao meu lado. Deixando todo mundo tão impotente quanto eu em relação às guerras como as que acontecem hoje. Não ignoro os conflitos de jeito nenhum, é impossível. Mas não deixo de seguir minha vida, e acho que esse blog pode contribuir, nem que seja um pouquinho, para auxiliar quem está às voltas com esse problema do alcoolismo.

Não é fácil ser Alice, vira e mexe eu acho que estou sendo inconveniente e que minhas palavras são desnecessárias nesse momento. Aí retomo um hábito que sempre foi muito ruim para mim, que é comparar minhas dores com as dos outros. Eu sempre saio perdendo e deslegitimo minha dor. Ouvi muitas vezes frases como: Você está vendo o que está acontecendo com a vida de fulano? ISSO-SIM-IMPORTA. Hoje eu sei que NÃOO, todas as dores importam e precisam ser levadas em conta.

Estar em recuperação é poder simplesmente estar presente em todos os lugares que eu quiser e evitar confusões, porque agora não sou mais tão caótica, não carrego comigo dores e ressentimentos para jogar na cara das pessoas.

Me anular sempre foi meu erro. Sou importante para mim e para muitos, e me sinto feliz por conseguir pôr tudo isso em palavras. Essa paz é o começo de uma vitória para ajudar a melhorar o meu mundo, o nosso mundo. Sem grandes pretensões, mas sem me desconsiderar. CHEGA DISSO. Vou sempre falar do alcoolismo. Sabe aquela história do pinguinho no meio do oceano? Então, eu sou isso, essa gotinha, mas é aí que começa a mudança, nas pequenas atitudes.

Sigo em frente acreditando em mim e na paz. E preciso fazer minha parte. Como me livrar dos pensamentos lá do primeiro parágrafo e me enfiar no chuveiro para sentir que o mundo pode ser bom e minha escrita pode ajudar. E você que está aí, que me lê e se identifica com meus relatos, saiba que você não está sozinho. Juntos lutamos contra a guerra que é o alcoolismo. Não é uma batalha perdida.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.