Vidas Atípicas

Em busca de respostas para dúvidas profundas e inesgotáveis sobre o autismo

Vidas Atípicas - Johanna Nublat
Johanna Nublat
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Deputada estadual diz que teve medo da escola estadual, mas preferiu comprar a briga com São Paulo por inclusão

Andréa Werner fala sobre a decisão de processar o Estado em busca de direitos para o filho autista e outros alunos

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Johanna Nublat

Na última semana, a deputada estadual Andréa Werner (PSB-SP), autista e mãe de um adolescente autista, anunciou que iria processar o governo de São Paulo, como cidadã, pela negativa da escola pública estadual onde o filho vai estudar de permitir a entrada da acompanhante terapêutica do garoto, ou de oferecer um acompanhante que desempenhe uma função pedagógica dentro da sala de aula.

O filho da deputada, Theo, 15, é autista com nível 3 de suporte hoje em dia e tem deficiência intelectual. Ele está indo para o ensino médio, vindo de uma escola pública municipal.

Nessa entrevista, a deputada fala sobre o impacto que uma escola preocupada com a inclusão teve na vida do filho, sobre por que comprar a briga com o Estado para garantir ao Theo -- e a outros alunos -- adaptações necessárias para que ele se desenvolva na escola, e sobre o desconhecimento que existe sobre o autista. "As pessoas não entendem que, o que vai facilitar a vida dele e remover barreiras é ele ter uma pessoa que o ajude a se comunicar e se regular naquele ambiente barulhento, cheio e calorento."

Seu filho mudou de escola? Sim, ele saiu da rede municipal, onde ele estava muito incluído, muito feliz, com todas as adaptações, sala de atendimento educacional especializado, professora de educação especial com formação baseada em evidências, que fez toda a diferença na vida dele. Na formatura, ele fez um discurso em comunicação alternativa. Isso é inédito nas escolas, principalmente quando você pensar que é escola pública municipal. Para você entender o nível de suporte que ele tinha e como essa escola era comprometida com a inclusão, não só dele, como de outros alunos. Eu sempre ouvi das mães que, quando o filho sai da municipal e vai para estadual, é o pânico. Toda mãe de criança com deficiência com filho na escola pública fala exatamente isso. É assim: "Fico tentando reter, peço para segurar meu filho mais um ano, porque sei que, quando for para a estadual, ele não vai ter apoio nenhum". A fama da escola estadual é horrorosa. Eu cheguei a considerar reter ele por esse medo. É horrível você falar isso, eu sou uma deputada estadual, como que eu estou com medo da escola estadual? Mostra como até minha atuação como deputada é limitada. Eu fiz projetos de lei com relação a isso, o governador vetou parte do projeto de lei. A gente tenta um diálogo na maioria das vezes, mas não está na minha mão, está muito mais na mão do Executivo. Chegamos à conclusão que não seria bom reter o Theo, porque ele, apesar de ser um autista que não fala, que tem deficiência intelectual, ele entende muito o ambiente dele. Ele participou da formatura, entendeu que foi uma ruptura. Ia ver que os coleguinhas saíram. A gente achou melhor comprar essa briga mesmo. Fui na primeira escola estadual de Vinhedo, que foi até pior. A diretora já falou que não tinha sala de AEE [atendimento educacional especializado], que tinha uma professora de educação especial itinerante. E que nunca tinham tido um aluno como o meu filho.

Deputada estadual Andréa Werner, mãe de um adolescente com autismo, durante seminário para debater diversidade

Então onde estão os alunos como seu filho? É, então. A acompanhante do Theo estava do meu lado, ela já tinha trabalhado nessa escola, e ela falou para a diretora: "Melhor você se prepararem, porque está vindo um bando da escola municipal". Eu fui numa outra escola, que é mais longe da minha casa, porém tem sala de AEE. Não sei como está a situação da sala, mas pelo menos tem e tem uma professora de educação especial. Fui lá e tive conversas com duas diretoras, em momentos diferentes, conversas muito parecidas. A primeira conversa foi no sentido de que a acompanhante não poderia entrar, que eu teria que requisitar um acompanhante para a DRE [diretoria regional de educação] e ver se mandam. Eu perguntei "se mandar, quem vai ser essa pessoa?". Pode ser desde um estudante do ensino médio até um professor de história, de geografia. Eu amo história, mas como a pessoa vai poder ajudar um aluno autista grau 3 com deficiência intelectual se ele não tem formação nisso? Fora toda essa resistência do profissional ficar dentro da sala de aula. A orientação da secretaria da educação é que o profissional fique fora da sala. E que, em geral, seja esse profissional que leve ao banheiro, ajude a pessoa a se alimentar, mas não com função pedagógica. Quem consegue profissional com função pedagógica é geralmente quem judicializou o Estado.

Eu entendo que é uma obrigação prevista em lei a escola fornecer esse profissional. Mas é, está na lei federal. O problema é que temos, no nosso país, um monte de secretarias da educação de Estado querendo ditar regras acima da legislação federal. Acima da Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência, acima da Convenção sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência, acima da lei 12.764, que é uma lei federal que diz que o autista, em caso de necessidade, tem direito ao acompanhante especializado.

O que eles propõem, então, é um professor apenas para 30 alunos, digamos, incluindo crianças com necessidades educativas específicas? Nenhum professor auxiliar? Num cenário bom. Agora vamos para a segunda conversa. Eu fui uma segunda vez [à escola], conversei com outra diretora. Foi um show de horror, que eu gravei por causa do meu processo. Entrou um outro homem na sala, que trabalhava na diretoria. Num determinado ponto, falaram assim: "O problema é essa auxiliar do Theo ser uma funcionária paga, porque se fosse uma pessoa voluntária da família, tipo a mãe ou a irmã, aí não teria problema". Fiquei pensando que a mãe não pode trabalhar, a mãe não tem direito a nada. Ela tem que ser acompanhante do filho, sendo que essa função é do Estado. Por fim, falaram para judicializar mesmo.

Sem essa assistente, o que o Theo poderia aprender na escola? Sem profissional de suporte, nada. No máximo, ele ia aproveitar alguma coisa da educação física. Que é uma coisa mais tranquila e ele sempre gostou. Agora, matéria mesmo… Tirei fotos dos cadernos dele, das atividades adaptadas. As pessoas precisam entender que atividade adaptada não é colocar o aluno para colorir ou mexer com massinha. Todas as atividades adaptadas dele tinham a ver com a matéria que estava sendo dada. Água e óleo não se misturam. Aí vinham desenhos e pictogramas, porque ele ainda não está totalmente alfabetizado. Geografia, aula de ciências. Era um material adaptado que era pegar aquele conteúdo que a professora está passando e, de fato, adaptar de uma forma que ele consiga assimilar.

Sem falar na importância da mediação para a interação social, pensando na escola como um ambiente para expressar e aprender habilidades sociais… Falta uma compreensão sobre o autismo mesmo, principalmente o autismo de um grau mais alto de suporte. Muitas vezes, que o autista precisa é de um recurso humano de acessibilidade. As pessoas não entendem que, o que vai facilitar a vida dele e remover barreiras é ele ter uma pessoa que o ajude a se comunicar e se regular naquele ambiente barulhento, cheio e calorento. Falta muito conhecimento ainda sobre a ferramenta de acessibilidade para o autista, que, muitas vezes, é outra pessoa.

Imagino que já perguntaram para a senhora por que não colocar o Theo numa escola particular com a acompanhante pessoal dele? Via de regra, com todas as precariedades, a escola pública acolhe muito melhor. Eu tive uma experiência muito boa na escola municipal. Foi o primeiro lugar em que ele, tendo acesso a tudo o que está previsto em lei, com todas as adaptações, começou a ser alfabetizado, tinha coleguinhas, amigos. Ele saía nas fotos segurando a mão do coleguinha. Era uma coisa linda. Eu queria continuar esse trajeto. Apesar de essa experiência estar sendo muito ruim, porque o Theo está fora da escola, eu quero usar essa experiência, também, para que a gente possa melhorar essa situação para todo mundo, não só para o Theo. Que eu consiga fazer o governo prestar atenção nisso, porque "olha, tem uma deputada com filho na escola estadual e está acontecendo isso tudo". Passou da hora de a gente mudar isso.

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Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo afirmou que "tem compromisso com a política pública inclusiva, acessibilidade ao currículo e apoio sistemático, considerando as especificidades dos estudantes". "A pasta disponibiliza mais de 8 mil profissionais de apoio para alunos com TEA e outras deficiências. Os alunos com TEA frequentam as aulas regulares, de acordo com a Política de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é oferecido no contraturno. Atualmente, um novo Termo de Referência está em andamento com objetivo de efetivar o Profissional de Apoio Escolar - Atividades Escolares. A contratação desses profissionais visa à melhoria do serviço já prestado pela Pasta e está em conformidade com as diretrizes da Lei Federal nº 13.146/15."

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