Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Descrição de chapéu Rainha Elizabeth 2ª

A rainha faz falta

Monarquia pode ajudar na estabilidade política, mas não garante atos de lucidez

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Briga. Tumulto. Assassinato.

Crescem os casos de violência política no Brasil.

Dona Gilda balançava a cabeça.

—Essa coisa de eleição não combina com o povo brasileiro.

A manhã chegava cinzenta nos altos de Higienópolis.

—Nossa... nem dá para ver o prédio do Fernando Henrique...

O ex-presidente também reside no tradicional bairro paulistano.

A névoa era de fato espessa.

—Parece que estou em Londres...

Alguns especialistas dizem que a fumaça veio da Amazônia.

—Imagine, meu filho. Que bobagem.

No antigo armário de jacarandá, dona Gilda escolhia um casaquinho de lã.

—Comprei na Inglaterra... e dura até hoje.

Ela abotoou cuidadosamente a delicada peça de indumentária.

—Mas como eu ia dizendo. Eleição aqui nunca deu certo.

A doméstica Denira trazia o chá numa bandeja de prata.

—Tinha de ter uma monarquia. Como na Inglaterra.

—Mais alguma coisa, dona Gilda?

—Liga a televisão.

Tristeza. Luto. Saudade.

Morre a rainha Elizabeth 2ª.

—Ah. Então é por isso que o céu ficou cinzento.

A capital paulista parecia homenagear o fog londrino.

—Coitados dos ingleses. Como é que vão fazer sem a rainha?

Ela tomou mais um gole de chá.

—Uma garantia de estabilidade política.

O príncipe Charles já está programado para assumir o trono.

—Não gosto dele. Isso não vai acabar bem.

A sonolência é problema comum na terceira idade.

Dona Gilda escutou passos delicados no hall de entrada.

Uma senhora elegante. Cabelos prateados. Mais para miúda.

—Com esse nevoeiro todo não consigo ver...

Ela colocou os óculos de longe.

—Rainha Elizabeth? Majestade?

A soberana aparecia com um belíssimo relicário de prata.

--Biscoito? Para mim, majestade?

Era o coração de Dom Pedro 1º.

Oferecido a dona Gilda numa espécie de banquete antropofágico.

—Nhoc, nhoc.

Quando dona Gilda abriu os olhos, o nevoeiro já tinha se dissipado.

A anciã acionou a sineta.

—Denira. Um favorzinho.

—Sim, senhora.

—A partir de agora, não me chame mais de senhora.

—Falo o quê então, dona Gilda?

—Majestade. E vamos se ajoelhando aí. Que não quero desrespeito na minha presença.

Duzentos anos de Independência.

Temos ainda muito o que aprender com países mais antigos.

Mas o passar do tempo nem sempre contribui para a lucidez.

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