Números. Estimativas. Previsões.
O clima era tenso no Instituto de Pesquisas Prospekta.
—Se a gente disser que o Lula está subindo...
—O pau baixa.
Uma misteriosa onda de ameaças se abatia sobre os computadores da firma.
—Mas o que mais me preocupa é o que pode acontecer com o pessoal da rua.
Os entrevistadores relatavam algum medo de agressões.
—Fui começar o questionário, e já me apontaram um revólver.
—Comigo também. E nem precisei chegar na parte estimulada.
A ordem da diretoria foi firme e corajosa.
—Vamos continuar. E olha. Vai ter questionário de casa em casa.
O jovem entrevistador Rejano concordava.
—É o método mais interessante.
A manhã começou gelada nos altos da Vila do Pavio.
Rejano tremia à frente de um sobrado de bom padrão.
—O lugar parece seguro... mas vai saber.
A viúva Martins abriu a porta.
—Pode entrar, meu filho... nesse frio, ninguém merece.
—A senhora já tem candidato?
A anciã olhou para o assoalho de sinteco.
—Sigo sempre as orientações do meu finado marido.
—Ah.
Rejano pensou um pouco.
—Mas a senhora se comunica com ele?
A viúva mudou de assunto.
—Quer um café? Passei agora.
A objetividade científica, por vezes, não precisa excluir uma atitude amistosa.
—Puxa, muito obrigado. Não é todo entrevistado que me trata assim...
A xícara de vidro âmbar foi trazida numa bandeja de asas de borboleta.
—Não fazem mais bandejas assim... com essa história de proteger a natureza.
Entre dois goles, Rejano assentiu com a cabeça.
—Porque sabe, meu filho... o meu voto está claro e decidido.
—Estou anotando, dona.
—Voto no general Castelo Branco.
O nome do primeiro presidente da ditadura causou dúvidas na mente do pesquisador.
—Mas... ele foi presidente em 1964...
A viúva Martins retirou-se discretamente por uma escadinha.
—O finado está me chamando no porão.
Foi quando Rejano percebeu um depósito branco no fundo da xícara.
O poderoso formicida interrompeu para sempre suas atividades profissionais.
A viúva Martins suspira.
—Se o Donato estivesse vivo, ele resolvia com tiro.
Ela limpou cuidadosamente a xícara.
—Mas a luta continua.
Meninos usam azul e meninas usam rosa.
A viúva Martins dá a sua interpretação.
—Homem usa revólver. Mas mulher prefere veneno.
Pesquisas são apenas o retrato de um momento.
Mas mesmo antes das eleições, por vezes, a verdade aparece sem disfarce.
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