Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Bolsonaro ou morte

Ameaças a pesquisadores podem assumir formas inusitadas no bolsonarismo radical

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Números. Estimativas. Previsões.

O clima era tenso no Instituto de Pesquisas Prospekta.

—Se a gente disser que o Lula está subindo...

—O pau baixa.

Uma misteriosa onda de ameaças se abatia sobre os computadores da firma.

—Mas o que mais me preocupa é o que pode acontecer com o pessoal da rua.

Os entrevistadores relatavam algum medo de agressões.

—Fui começar o questionário, e já me apontaram um revólver.

—Comigo também. E nem precisei chegar na parte estimulada.

A ordem da diretoria foi firme e corajosa.

—Vamos continuar. E olha. Vai ter questionário de casa em casa.

O jovem entrevistador Rejano concordava.

—É o método mais interessante.

A manhã começou gelada nos altos da Vila do Pavio.

Rejano tremia à frente de um sobrado de bom padrão.

—O lugar parece seguro... mas vai saber.

A viúva Martins abriu a porta.

—Pode entrar, meu filho... nesse frio, ninguém merece.

—A senhora já tem candidato?

A anciã olhou para o assoalho de sinteco.

—Sigo sempre as orientações do meu finado marido.

—Ah.

Rejano pensou um pouco.

—Mas a senhora se comunica com ele?

A viúva mudou de assunto.

—Quer um café? Passei agora.

A objetividade científica, por vezes, não precisa excluir uma atitude amistosa.

—Puxa, muito obrigado. Não é todo entrevistado que me trata assim...

A xícara de vidro âmbar foi trazida numa bandeja de asas de borboleta.

—Não fazem mais bandejas assim... com essa história de proteger a natureza.

Entre dois goles, Rejano assentiu com a cabeça.

—Porque sabe, meu filho... o meu voto está claro e decidido.

—Estou anotando, dona.

—Voto no general Castelo Branco.

O nome do primeiro presidente da ditadura causou dúvidas na mente do pesquisador.

—Mas... ele foi presidente em 1964...

A viúva Martins retirou-se discretamente por uma escadinha.

—O finado está me chamando no porão.

Foi quando Rejano percebeu um depósito branco no fundo da xícara.

O poderoso formicida interrompeu para sempre suas atividades profissionais.

A viúva Martins suspira.

—Se o Donato estivesse vivo, ele resolvia com tiro.

Ela limpou cuidadosamente a xícara.

—Mas a luta continua.

Meninos usam azul e meninas usam rosa.

A viúva Martins dá a sua interpretação.

—Homem usa revólver. Mas mulher prefere veneno.

Pesquisas são apenas o retrato de um momento.

Mas mesmo antes das eleições, por vezes, a verdade aparece sem disfarce.

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