Descrição de chapéu drogas

Livro revela potência da ciência psicodélica do país

Em 'Psiconautas', Marcelo Leite revela bastidores de testes clínicos que avançam sobre áreas-chave da saúde mental

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São Paulo

A psiquiatria pode estar à beira de uma revolução provocada pela retomada de estudos científicos sistemáticos sobre as propriedades terapêuticas de substâncias conhecidas como psicodélicos, parte delas lançada na ilegalidade a partir dos anos 1970.

As dificuldades e o tabu envolvidos no avanço da ciência psicodélica parecem cada vez mais ofuscados pelos resultados positivos de testes clínicos que apontam o potencial benefício dessas substâncias no tratamento de problemas de saúde mental tão diversos e severos quanto a depressão, o estresse pós-traumático e a dependência química.

Esse ciclo virtuoso, no qual se destaca a participação de uma geração de neurocientistas, psiquiatras e pesquisadores brasileiros, foi apelidado de renascença psicodélica e é o foco de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”, novo livro do jornalista e colunista da Folha Marcelo Leite, lançado agora pela editora Fósforo.

Doutor em ciências sociais e referência em jornalismo científico, Marcelo é um sujeito acima de qualquer suspeita.

“Cara de careta, jeito de careta, cheiro de careta”, brinca ele, que foi atraído pelo tema quando recebeu o aviso de uma conferência de ciência psicodélica a ser realizada em Oakland, na Califórnia (EUA), em 2017, e, para sua surpresa, entre os convidados havia não só cientistas brasileiros renomados como participantes de importantes universidades dos EUA.

“Achei que fosse algo folclórico, mas percebi que era coisa séria”, lembra ele, que foi cobrir o evento científico para esta Folha e acabou embarcando numa experiência pessoal motivada pelas apresentações do congresso.

Numa reunião no quarto de hotel de um dos participantes do encontro, Marcelo foi apresentado ao MDMA (metilenodioximetanfetamina), a grande vedete dos painéis e debates do congresso.

Princípio ativo do ecstasy, a droga ícone das festas rave dos anos 1990, o MDMA vem sendo estudado no seu potencial para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e deve ter seu uso terapêutico aprovado do FDA (agência norte-americana que regula fármacos) entre 2021 e 2022.

“Sou uma pessoa curiosa e resolvi experimentar. E essa minha experiência pessoal foi muito informativa sobre o caráter terapêutico do efeito do MDMA”, lembra ele.

Sério e reservado, Marcelo diz ter experimentado, sob efeito, “um congraçamento com quem nem conhecia”, o que lhe pareceu muito útil a um processo terapêutico.

Tinha início ali uma jornada exploratória profissional e pessoal que incluiu experiências com outros psicodélicos, como a ayahuasca, ou santo daime, a psilocibina e o LSD, e à cobertura jornalística de um campo de estudos que cresce rápido e no qual se destacam cientistas brasileiros que guiaram Marcelo em suas investigações psiconautas.

Entre eles estão como o neurocientista Sidarta Ribeiro, que assina o prefácio do livro, o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, o biólogo Stevens “Bitty” Rehen, o físico Dráulio de Araújo e o médico Bruno Rasmussen Chaves.

Ao grupo, parte do qual Marcelo já conhecia de reportagens anteriores sem relação com o tema, se juntaram outros pesquisadores brasileiros de renome internacional neste campo, como a antropóloga Bia Labate e o neurocientista Eduardo Schenberg.

Em levantamento publicado neste ano no Journal of Psychoactive Drugs, o Brasil é o terceiro país que mais produz estudos de impacto no campo da ciência psicodélica, atrás somente dos EUA e do Reino Unido.

No Instituto do Cérebro, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi realizado o primeiro teste clínico randomizado duplo-cego controlado com placebo a investigar o efeito terapêutico de um psicodélico contra a depressão.

Os resultados do estudo com a ayahuasca alvoroçaram a comunidade científica internacional. Sua publicação, depois de rejeitada por mais de dez periódicos, é hoje um dos dez estudos mais citados no campo dos psicodélicos.

Não é para menos. Segundo a OMS, há 300 milhões de pessoas com depressão no mundo, das quais 100 milhões são resistentes aos antidepressivos convencionais.

Ao longo de “Psiconautas”, Marcelo mescla a apresentação de personagens, entre cientistas e pacientes que se submeteram aos testes, a relatos pessoais sobre suas próprias viagens, com foco nos efeitos dessas mesmas substâncias sobre sua percepção e suas emoções, o que dá colorido aos trechos mais técnicos sobre os estudos e cria ainda maior fascínio à ação dos psicodélicos numa família de receptores chamada 5-HT.

Com essa combinação, o livro desmitifica um tema que foi alvo de décadas de campanhas antidrogas que propagaram mais pânico do que informação.

“Quero desconstruir preconceitos e desinformação. E que as pessoas que têm resistência ao assunto, que cresceram ouvindo que essas substâncias destroem vidas, possam enxergá-las de uma nova maneira”, diz ele, que prepara um curso sobre o tema, que terá quatro aulas e transmissão virtual.

Para o próprio autor, a jornada psicodélica tem sido um aprendizado subjetivo —“os psicodélicos são ferramentas de autoconhecimento”, diz ele— e objetivo.

“Eu não sabia que psicodélicos não causam dependência nem que não existe nenhum registro na história de uma overdose de LSD.”

Para ilustrar essa última descoberta, Marcelo conta a história de uma mulher que, por engano, tomou 550 doses de LSD e não morreu. Quando ela voltou da viagem de 12 horas, suas dores crônicas nos pés haviam desaparecido e ela pode suspender as doses diárias de morfina que tomava.

Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira
Autor: Marcelo Leite. Editora: Fósforo. R$ 69,90 (264 págs.).

Curso: História das drogas psicodélicas para uso medicinal e sua demonização
​Dias 19 e 26 de maio e 2 e 9 de junho, das 20h às 21h30. Bora Saber, via Zoom (borasaber.art.br). R$ 320

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