Quando as pessoas se protegem da Covid, os gorilas respiram melhor

No início da pandemia, especialistas temeram que humanos pudessem transmitir o vírus para os macacos

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Emily Anthes
The New York Times

Os gorilas-das-montanhas que vivem em Ruanda, no Parque Nacional dos Vulcões, têm encontros frequentes com seres humanos. Em um dia qualquer, os animais podem topar com turistas com seus smartphones, biólogos colhendo amostras de fezes ou veterinários aplicando antibióticos.

Por isso, quando o coronavírus começou a se espalhar pelo mundo, no início de 2020, especialistas temeram que as pessoas pudessem inadvertidamente transmitir o vírus para os macacos ameaçados de extinção, que são vulneráveis a uma série de patógenos humanos.

Gorilas-das-montanhas caminhando em uma área verde
Gorilas-das-montanhas são conhecidos por serem vulneráveis ​​a uma variedade de patógenos humanos - Skyler Bishop/Gorilla Doctors

"No passado, outros vírus humanos causaram doenças respiratórias nos gorilas", disse a doutora Kirsten Gilardi, diretora-executiva da Gorilla Doctors, um time internacional de veterinários que cuidam dos gorilas.

"Estávamos muito preocupados, pensando no que faríamos se o vírus chegasse aos gorilas-das-montanhas", disse Gilardi.

Em março de 2020, num esforço para proteger os animais, Ruanda fechou temporariamente o Parque Nacional dos Vulcões. Quando ele foi reaberto, alguns meses depois, tinha adotado novas precauções rígidas, como exigir que turistas e pesquisadores usem máscaras e mantenham distância dos animais. Essas regras, mais a redução geral do turismo, fizeram que os gorilas do parque tivessem menos encontros próximos com humanos durante a pandemia, disse a doutora.

Turistas que visitam um grupo de gorilas usando máscaras
Parque Nacional dos Vulcões de Ruanda exige que turistas, funcionários do parque, pesquisadores e outras pessoas que encontrem gorilas usem máscaras - Skyler Bishop/Gorilla Doctors

E até agora não houve sinais de coronavírus entre os gorilas. Ao tentar controlar uma ameaça de saúde extraordinária, porém, as autoridades podem ter aliviado também uma mais cotidiana: a transmissão rotineira de doenças respiratórias de humanos para grandes primatas. Desde março de 2020, o número de surtos de doenças respiratórias entre os gorilas do parque caiu de 5,4 ao ano para 1,6, em média.

"A conclusão é que essas medidas de melhores práticas para proteger as populações de grandes primatas parecem estar funcionando", disse Gilardi, que relatou as conclusões na revista Nature neste mês. O relatório foi coescrito com Prosper Uwingeli, guardião-chefe do Parque dos Vulcões.

A análise é preliminar, e os pesquisadores não podem provar que a saúde dos gorilas melhorou porque os humanos mantiveram distância. Mas as descobertas sugerem que mesmo depois que a pandemia diminuir controles mais estritos poderão ser necessários para ajudar a proteger primatas ameaçados de doenças humanas, segundo os cientistas.

"Os mesmos tipos de coisas que podem proteger animais silvestres que são suscetíveis à Covid podem protegê-los de outros patógenos humanos", disse Thomas Gillespie, um ecologista de doenças da Universidade Emory que trabalha frequentemente com primatas silvestres, mas não participou do estudo.

Pouco mais de mil gorilas-das-montanhas continuam na natureza, divididos entre parques nacionais em Ruanda, Uganda e a República Democrática do Congo. Muitos gorilas foram deliberadamente habituados aos humanos para facilitar a pesquisa e o ecoturismo.

Homem negro de máscara posa para foto. Ao fundo, se vê um gorila pendurada em um galho de árvore.
Jean Bosco Noheri realiza exame em gorilas-das-montanhas no Parque Nacional dos Vulcões, em Ruanda - Skyler Bishop/Gorilla Doctors

Os macacos enfrentam diversas ameaças, como a caça ilegal e a perda de hábitat, mas a doença respiratória também é uma grande preocupação e uma das principais causas de mortes entre eles.
Surtos de doenças respiratórias tornaram-se comuns entre os animais.

"Eles acontecem com regularidade", disse Gilardi, que também é veterinária de animais silvestres na Universidade da Califórnia em Davis. "E nem sempre sabemos o que os causa."

Bactérias e vírus circulam naturalmente entre gorilas e outros primatas, alguns dos quais podem causar infecções respiratórias. Mas os cientistas também documentaram vários casos em que patógenos humanos, incluindo rinovírus e coronavírus responsáveis por resfriados comuns, conseguiram chegar aos grandes macacos.

Em muitos casos, vírus respiratórios podem causar sintomas relativamente leves e conhecidos em gorilas infectados.

"Eles tossem, espirram, têm corrimento nasal, podem ter olhos inchados, recusar a comida, ficar letárgicos, não querer se levantar da cama de manhã", disse Gilardi. (Os gorilas fazem e dormem em ninhos noturnos.) "Eles parecem e agem como nós quando temos uma infecção do trato respiratório superior."

Mas esses surtos às vezes podem causar doenças graves, como pneumonia, ou até a morte. Em 2009, um vírus respiratório humano atingiu 11 dos 12 gorilas de um grupo familiar em Ruanda. Cinco animais precisaram de cuidados veterinários e dois outros, incluindo um bebê, morreram.

Para conter essa transferência de doenças entre espécies, a União Internacional para Conservação da Natureza emitiu um conjunto de diretrizes em 2015 para cientistas, turistas e outras pessoas que podem ter contato com grandes primatas. As recomendações incluem permanecer a pelo menos sete metros de distância dos animais e usar uma máscara facial quando mais perto. (Gilardi e Gillespie participaram da autoria das diretrizes.)

Mas nem todos os países adotaram ou aplicaram as recomendações, segundo Gillespie. Até que chegou a pandemia.

"A pandemia realmente fez todo mundo aderir totalmente", disse ele.

O Parque Nacional dos Vulcões hoje exige que turistas, funcionários, pesquisadores e outras pessoas que se aproximem dos gorilas usem máscaras, o que não era obrigatório antes. Ele também exige que as pessoas fiquem quase dez metros distantes dos animais. O turismo ainda não foi totalmente retomado, disse Gilardi.

A diferença foi perceptível, disse ela: "Não estamos vendo tantas doenças respiratórias hoje como vimos em anos passados".

Outros locais de grandes primatas estão coletando dados sobre como e se a incidência de doença infecciosa mudou desde o início da pandemia de coronavírus, disse Gillespie. E as mesmas precauções podem ser usadas para proteger um amplo leque de primatas silvestres, acrescentou ele.

"Muitas dessas práticas podem ser aplicadas com sucesso a outras espécies ameaçadas e em risco de extinção", explicou. "As pessoas precisam fazer essas coisas, com ou sem Covid."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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