James Webb e Artemis inauguram nova era para a Nasa em 2022

Telescópio e sistema de transporte à Lua dialogam com passado do Universo e futuro da humanidade

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São Paulo

Poucos anos na história da Nasa foram tão espetaculares quanto 2022. Não é comum que, em um período de poucos meses, o maior investimento científico e o maior esforço de exploração das últimas décadas atinjam sucesso pleno. Mas aconteceu neste ano, e é indiscutível que o Telescópio Espacial James Webb e a missão Artemis 1 mudaram a forma como encaramos o passado e o futuro do Universo.

Com o olhar voltado para trás, temos o Webb. Com seu poderoso espelho segmentado de 6,5 metros e instrumentos capazes de enxergar luz infravermelha, ele teve seu desenvolvimento formal iniciado em 2003, a partir de propostas que se iniciaram nos anos 1990, não muito tempo depois do lançamento do Telescópio Espacial Hubble.

A ideia era dar um passo além, desenvolvendo um equipamento capaz de enxergar mais longe do que o próprio Hubble, fazendo uso de um espelho mais sensível e da observação em infravermelho, em contraste com seu antecessor mais famoso, focado em luz visível e apenas um pouquinho de ultravioleta e luz visível.

Imagem obtida por câmera num dos painéis da cápsula Orion durante o máximo afastamento da Terra, a 432 mil km de distância
Imagem obtida por câmera num dos painéis da cápsula Orion durante o máximo afastamento da Terra, a 432 mil km de distância - Nasa

A razão para isso não é tão difícil de entender. O Universo está em expansão, o que significa dizer que o próprio espaço está se esticando. Quando a luz viaja por ele, se estica junto, aumentando seu comprimento de onda. Então, o que nasceu como ultravioleta e luz visível nos confins do cosmos, até chegar a nós, já foi convertida em infravermelho. Eis porque o Webb ganhou o apelido de "sucessor do Hubble": ele enxerga mais longe, por ser sensível a luz com um comprimento de onda que o antigo telescópio não consegue detectar.

A premissa é fácil de descrever, mas dificílima de realizar. Para ter a sensibilidade adequada, o telescópio não pode ficar próximo à Terra, onde a luminosidade do próprio planeta o impediria de atingir as temperaturas baixíssimas requeridas para enxergar sutis emanações de infravermelho vindas das fronteiras mais longínquas do Universo.

Além disso, um escudo térmico —na prática um toldo do tamanho de uma quadra de tênis— teria de ser aberto sob o espelho para bloquear o Sol e garantir as condições térmicas adequadas.

O tamanho do espelho requerido (para não falar no escudo térmico) não caberia na coifa de nenhum foguete disponível, o que exigiu um projeto complicado em que o telescópio seria lançado ao espaço como origami, desdobrando-se cuidadosamente de forma automática, por semanas a fio.

O investimento estimado para seu desenvolvimento, em 2003, era de US$ 5 bilhões. O cronograma sugeria então um lançamento em 2014. Diversos estouros no orçamento se seguiram, o projeto chegou à beira do cancelamento em diversos momentos, e só chegou a termo após uma guinada bem-sucedida em sua gestão, o que levou o engenheiro Gregory Robinson, que assumiu a gerência do projeto em 2018, a ser listado entre as cem mais pessoas mais influentes de 2022 na revista americana Time.

O lançamento ocorreu finalmente em 25 de dezembro do ano passado, seguido por sete meses de desdobramento do equipamento, instalação em órbita, resfriamento e comissionamento dos instrumentos. Em julho deste ano, conforme os primeiros dados de observações começavam a chegar à Terra, Robinson decidiu se aposentar, após 33 anos na Nasa.

O trabalho do Webb, contudo, mal começara, e logo de cara já trouxe surpresas magníficas, como a galáxia mais distante já vista.

O voo de Artemis

De olho no futuro da exploração espacial, a Nasa finalmente pôs em prática pela primeira vez sua nova arquitetura para missões tripuladas além da órbita da Terra. Com o sucesso da missão Artemis 1, ocorrida entre 16 de novembro e 11 de dezembro, o caminho está aberto para voltarmos a ver humanos fora do poço gravitacional terrestre, em uma jornada lunar, pela primeira vez em mais de meio século.

Foi outro projeto que passou por muitas idas e vindas, dúvidas e questionamentos, ao longo de duas décadas.

O primeiro ensaio para a atual iniciativa veio na esteira do acidente com o Columbia, quando a Nasa apresentou o programa Constellation, que deveria levar humanos de volta à Lua até 2020.

A iniciativa foi efetivamente cancelada, por falta de verba, na administração Obama, e os elementos do atual programa Artemis foram o que o Congresso americano salvou da iniciativa anterior —um foguete de alta capacidade baseado em tecnologias dos antigos ônibus espaciais, o SLS, e uma cápsula para voo em espaço profundo, a Orion.

Provavelmente seria outro beco sem saída, não fosse o advento da entrada da iniciativa privada na prestação de serviços de transporte espacial. Graças a isso, foi possível contratar, a preço que cabia no orçamento, um veículo privado para o transporte de astronautas à superfície lunar. A Nasa fechou contrato de dois pousos com a SpaceX, com seu veículo Starship, e está em vias de fechar com uma segunda empresa. Aí vai faltar essas companhias concluírem o ciclo de desenvolvimento e entregarem o serviço contratado.

Enquanto isso, os elementos já prontos do programa Artemis andam em passo de tartaruga. Não bastassem os US$ 50 bilhões já gastos e os cinco anos de atraso, um comitê independente estimou que cada novo voo de um SLS com uma Orion custe à Nasa US$ 4,1 bilhões. A agência diz que será menos, mas no momento é improvável que atinja cadência inferior a um voo a cada dois anos.

A missão Artemis 2, que levará quatro astronautas em uma excursão de dez dias ao redor da Lua e de volta à Terra (lembrando um pouco a missão Apollo 8, de 1968), está marcada para 2024 —e talvez escape para 2025.

O primeiro pouso viria na Artemis 3, no momento apenas formalmente esperada para 2025. Seria otimista pensar mesmo em 2026.

Em paralelo, Nasa e parceiros internacionais (já estão nessa ESA, Jaxa e CSA, agências espaciais europeia, japonesa e canadense) executam planos para construir uma pequena estação orbital lunar, chamada de Gateway. Será mais uma destinação para tripulações em espaço profundo, além da superfície da Lua, o que oferecerá experiência e treinamento para uma futura viagem a Marte (algo que no momento só existe como noção, não como plano, entre as agências espaciais). A agência espera atingir uma cadência de voos anuais para o programa Artemis, na esperança de tornar a iniciativa de exploração lunar sustentável.

A novidade é que nem só de agências espaciais será feita essa nova era de exploração lunar. Empresas privadas seguem desenvolvendo módulos de pouso tripulados e não tripulados para o envio de cargas úteis à Lua, e já há pelo menos duas missões turísticas contratadas com o Starship, da SpaceX, à órbita lunar: uma bancada pelo bilionário japonês Yusaku Maezawa, num projeto chamado #dearMoon, e outra pelo americano Dennis Tito, que já foi o primeiro turista a visitar a Estação Espacial Internacional, em 2001.

Se no século 20 tivemos uma corrida para a Lua, agora a sensação é de que estamos tendo uma onda, envolvendo múltiplos países e participantes. Dá a impressão de que desta vez o movimento vem para ficar. Mas isso só o futuro poderá dizer. Independentemente disso, já é seguro afirmar que 2022 marcou o início de uma nova era para a Nasa.

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