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Google Tradutor para o zoológico? Como os humanos poderiam falar com os animais

Avanços na área de inteligência artificial aumentam possibilidade de máquinas entenderem sons de bichos

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John Thornhill
Financial Times

Novas ferramentas tecnológicas geralmente permitem novas descobertas científicas. Veja o caso de Anton van Leeuwenhoek, cientista amador holandês do século 17 e microscopista pioneiro, que construiu pelo menos 25 microscópios de lente única com os quais estudou pulgas, gorgulhos, glóbulos vermelhos, bactérias e seus próprios espermatozoides, entre outras coisas.

Em centenas de cartas à Royal Society e outras instituições científicas, Van Leeuwenhoek registrou meticulosamente suas observações e descobertas, nem sempre para um público receptivo. Mas desde então ele foi reconhecido como o pai da microbiologia, tendo nos ajudado a entender e combater todos os tipos de doenças.

Séculos depois, novas ferramentas tecnológicas estão permitindo que uma comunidade global de biólogos e cientistas amadores explore o mundo natural do som com mais detalhes e em maior escala do que nunca. Assim como os microscópios ajudaram os humanos a observar coisas invisíveis a olho nu, os microfones onipresentes e os modelos de aprendizado de máquina nos permitem ouvir sons que de outra forma não ouviríamos.

Baleia nadando em água muito azul
Cachalote nada na costa sul do Sri Lanka - Joshua Barton - 29.mar.2013/Divulgação/Reuters

Podemos escutar uma paisagem sonora surpreendente de "conversas" planetárias entre morcegos, baleias, abelhas, elefantes, plantas e recifes de coral. "A sônica é a nova óptica", disse Karen Bakker, professora da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.

Bilhões de dólares estão sendo investidos na chamada inteligência artificial generativa, como o ChatGPT da OpenAI, com dezenas de startups sendo lançadas para comercializar esses modelos fundacionais. Mas, em certo sentido, IA generativa é um nome impróprio: esses modelos são usados principalmente para reformular o conhecimento humano existente em novas combinações, em vez de gerar algo genuinamente novo.

O que pode ter um impacto científico e social maior é a "IA aditiva", o uso de aprendizado de máquina para explorar conjuntos de dados específicos e recém-criados –derivados, por exemplo, de imagens de satélite, sequenciamento de genoma, sensoriamento quântico ou gravações bioacústicas– e estender as fronteiras do conhecimento humano.

Em relação aos dados sônicos, Bakker ainda levanta a possibilidade tentadora, nas próximas duas décadas, da comunicação entre espécies, à medida que os humanos usem máquinas para traduzir e replicar sons de animais, criando uma espécie de Google Tradutor para o zoológico.

"Ainda não possuímos um dicionário de cachalote, mas agora temos os ingredientes básicos para criar um", escreve Bakker em seu livro "The Sounds of Life" [Os sons da vida].

Essa revolução sônica foi desencadeada por avanços em hardware e software. Microfones e sensores baratos e duráveis podem ser fixados em árvores na Amazônia, rochas no Ártico ou nas costas de golfinhos, permitindo o monitoramento em tempo real. Esse fluxo de dados bioacústicos é então processado por algoritmos de aprendizado de máquina, que podem detectar padrões em sons naturais infrassônicos (baixa frequência) ou ultrassônicos (alta frequência), inaudíveis aos humanos.

Entretanto, Bakker enfatiza que esses dados só fazem sentido quando combinados com observações humanas sobre comportamentos naturais, obtidas em trabalhos de campo meticulosos de biólogos ou análises de amadores feitas coletivamente.

Por exemplo, a Zooniverse, iniciativa de pesquisa de ciência cidadã que pode mobilizar mais de 1 milhão de voluntários, ajudou a reunir todos os tipos de dados e ambientes de treinamento para modelos de aprendizado de máquina.

"As pessoas pensam que a IA é como um pó mágico que você pode espalhar em tudo, mas não é assim que funciona", disse Bakker. "Estamos usando o aprendizado de máquina para automatizar e acelerar o que os humanos já faziam."

Esses projetos de pesquisa também levaram a alguns desdobramentos práticos e comerciais. Estudos da comunicação entre abelhas inspiraram cientistas da Universidade Georgia Tech a criar um algoritmo de "mente de colmeia" para otimizar a eficiência de servidores em centros de hospedagem na Internet. Os criptógrafos têm estudado os zumbidos, cliques, rangidos e guinchos das baleias para entender se seu "código Morse biônico" pode ser imitado para criptografar as comunicações.

Bakker também defende a proteção em tempo real da biodiversidade de regiões ameaçadas. Os sistemas de aprendizado de máquina que monitoram microfones na floresta tropical podem captar os sons de serras circulares, bem como gritos de animais em pânico.

É difícil conciliar esse campo emergente de dados bioacústicos com o argumento de que a pesquisa científica deixou de ser disruptiva. Bakker argumenta que nosso paradigma atual de compreensão científica pode estar esgotado, mas isso significa que precisamos desenvolver um novo.

"É só uma falha da nossa imaginação", disse ela. Estamos apenas no começo da investigação do nosso universo sônico. Quem sabe o que poderemos encontrar?

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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