Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

Somos passageiros do mundo, carregadores de micro-organismos

O microbioma humano é um ecossistema complexo, que precisamos entender melhor

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Por vezes, pacientes chegam ao consultório preocupados, ao constatar que testes de laboratório acusaram a presença de germes estranhos em seu organismo.

Quanto você ficaria surpreso se soubesse que somos um arcabouço que hospeda uma infinidade de vírus, bactérias, fungos e parasitas? E se dissermos que estes chegam a ultrapassar estimados 90 trilhões de micro-organismos?

O conhecimento do mundo microscópico que nos cerca e nos habita passou por grandes saltos de conhecimento. Quando Anton van Leeuwenhoek descobriu o microscópio, no século 17, não esperava encontrar tantos organismos, até mesmo numa única gota d’água. Uma nova via de conhecimentos estava aberta, trazendo mudanças na biologia e na medicina. Isso permitiu a Robert Koch e Louis Pasteur, entre outros, estabelecer a relação entre germes e doenças.

Bactéria Escherichia coli, uma das várias que formam a flora intestinal humana, é vista através de um microscópio
Bactéria Escherichia coli, uma das várias que formam a flora intestinal humana, é vista através de um microscópio - Manfred Rohde - 26.mai.11/Helmholtz-Zentrum/Reuters

Há poucos anos, uma nova janela de descobertas foi ampliada. O surgimento de técnicas de detecção de fragmentos do genoma de germes criou uma nova espécie de "microscópio". Com elas, pode-se verificar a presença de sequências genômicas de um número muito maior de micro-organismos, algo que os métodos tradicionais usados na microbiologia não conseguiram.

É possível inferir que temos ao menos 250 vezes mais micro-organismos do que células em nosso corpo, interagindo em complexos sistemas, que denominamos microbioma.

Mas o que isso significa? O mapeamento da distribuição de germes, principalmente bactérias, nos órgãos e sistemas apontam que existem padrões. Ou seja, há uma interdependência entre o ser humano e sua flora, envolvendo mecanismos celulares e enzimáticos. Sem nosso microbioma, não sobreviveríamos.

Nossa saúde depende do equilíbrio deste microbioma conosco.

Estamos dando os passos iniciais na descoberta deste impressionante ecossistema.

Sabemos que algumas doenças estão relacionadas ao desequilíbrio nesta interação (disbiose), mas ainda não sabemos como manipular a flora para tratar determinadas doenças humanas. Ainda não conhecemos quais as combinações adequadas de bactérias, vírus e fungos que devam ser consideradas como padrão de normalidade, se é que existe um.

É preciso cautela, portanto, no uso de testes comerciais de microbioma, pois ainda não há ferramentas suficientes para interpretá-los. Alguns têm sugerido o emprego de testes caros, além de reposições de bactérias da flora, com o uso dos chamados probióticos, além de regimes dietéticos, sem quaisquer comprovações de efeito benéfico. O uso de probióticos ainda não é reconhecido como tratamento de escolha para nenhuma condição ou doença humana.

Os atuais produtos contendo probióticos são muito variáveis, ainda carentes de padronização em sua produção. Embora, geralmente, possam parecer inofensivos, ainda há dúvidas sobre a segurança em seu consumo indiscriminado. Há situações especiais a serem consideradas. Não sabemos, ao certo, como o sistema imune pode reagir em se tratando de pessoas com saúde fragilizada ou com imunodeficiências, idosos ou crianças muito novas, por exemplo.

Há também uma pletora de estudos mal conduzidos, com vieses que procuram sugerir apenas benefícios. São aguardados estudos mais rigorosos e robustos para termos melhor entendimento de como usar probióticos.

Sabemos que, em grande parte, nossa flora de germes nos faz bem. Estamos conhecendo-a melhor e descobrindo como se distribui e interage nos órgãos e sistemas.

Quando se deparar novamente com seus exames bacteriológicos, lembre-se que somos hospedeiros de grande quantidade de outros seres, que viajam conosco neste mundo.

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