Descrição de chapéu The New York Times

Esqueletos da gripe de 1918 revelam pistas sobre principais vítimas

Estudo desafia a ideia de que jovens saudáveis morreram tanto quanto crianças, idosos e pessoas com saúde frágil

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Gina Kolata
The New York Times

A gripe geralmente mata os muito jovens, os idosos e os doentes. Isso tornou o vírus de 1918 incomum, ou pelo menos é o que diz a história: ele matou pessoas jovens e saudáveis tão prontamente quanto aquelas que eram frágeis ou tinham condições crônicas.

Os médicos da época relataram que, entre aqueles no auge de suas vidas, ter boa saúde e juventude não foi proteção: o vírus era indiscriminado, matando pelo menos 50 milhões de pessoas, ou entre 1,3% e 3% da população mundial. Em contraste, a Covid-19 matou 0,09% da população.

Mas um artigo publicado na segunda-feira (9) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences desafia essa narrativa persistente. Usando evidências em esqueletos de pessoas que morreram no surto de 1918, os pesquisadores relataram que pessoas que sofriam de doenças crônicas ou deficiências nutricionais tinham mais que o dobro de chances de morrer do que aquelas que não tinham tais condições, independentemente da idade.

Em foto em preto e branco, camas, uma ao lado das outras, com pacientes
Em uma imagem fornecida pelo Exército dos Estados Unidos, uma ala de influenza de um hospital do Exército dos Estados Unidos em Aix-Les-Bains, França, por volta de 1918 - U.S. Army via The New York Times

O vírus de 1918 realmente matou pessoas jovens, mas, sugere o artigo, não foi uma exceção ao fato de que doenças infecciosas matam mais prontamente pessoas frágeis e doentes.

Sharon DeWitte, uma antropóloga da Universidade do Colorado, em Boulder, e autora do artigo, disse que a descoberta tinha uma mensagem clara: "Nunca devemos esperar que qualquer causa de morte não acidental seja indiscriminada".

A análise dos esqueletos, disse J. Alex Navarro, historiador da pandemia de gripe na Universidade de Michigan, é "um artigo fascinante e uma abordagem muito interessante para estudar essa questão".

A autora principal do artigo, Amanda Wissler, uma antropóloga da Universidade McMaster em Ontário, no Canadá, disse que ficou intrigada com as afirmações de que o vírus de 1918 matou pessoas jovens e saudáveis tão prontamente quanto aquelas com condições pré-existentes. Naquela época, não havia antibióticos ou vacinas contra doenças infantis, e a tuberculose era generalizada entre os adultos jovens.

Havia, no entanto, um mistério sobre quem morreu daquela gripe, o que ajudou a alimentar a especulação de que uma boa saúde não foi sinônimo de proteção. A curva de mortalidade era incomum, com formato de W. Normalmente, as curvas de mortalidade têm formato de U, indicando que bebês com sistemas imunológicos imaturos e pessoas mais velhas têm as maiores taxas de mortalidade.

O W surgiu em 1918 porque as taxas de mortalidade dispararam em pessoas com idades entre 20 e 40 anos, assim como em bebês e pessoas mais velhas. Isso parecia indicar que os adultos jovens eram extremamente vulneráveis e, de acordo com numerosos relatos contemporâneos, não importava se eles estavam saudáveis ou cronicamente doentes. A gripe era uma assassina de oportunidades iguais.

Em um relatório, o coronel Victor Vaughn, um eminente patologista, descreveu uma cena em Fort Devens, em Massachusetts, nos EUA. Ele escreveu que havia visto "centenas de jovens em uniformes de seu país, entrando nas enfermarias em grupos de dez ou mais". Na manhã seguinte, acrescentou, "os corpos mortos estão empilhados ao redor da enfermaria como lenha".

A pandemia de influenza, ele escreveu, "estava cobrando seu preço dos mais robustos, não poupando soldados ou civis, e exibindo sua bandeira vermelha na cara da ciência".

Wissler e DeWitte, que já fizeram pesquisas semelhantes sobre a peste negra, viram uma maneira de testar a hipótese sobre os jovens. Quando as pessoas têm doenças persistentes como tuberculose ou câncer, ou outros estressores como deficiências nutricionais, seus ossos da canela desenvolvem pequenos inchaços.

Avaliar a fragilidade procurando por esses inchaços "é bastante legítimo" como método, disse Peter Palese, um especialista em gripe da Escola de Medicina Icahn do Monte Sinai, em Nova York, nos EUA.

Os pesquisadores usaram esqueletos do Museu de História Natural de Cleveland. Sua coleção de restos mortais de 3.000 pessoas, guardada em grandes gavetas em uma sala enorme, inclui o nome de cada pessoa, idade da morte e data da morte.

Wissler disse que tratou os restos mortais "com grande respeito", enquanto examinava os ossos da canela de 81 pessoas com idades entre 18 e 80 anos que morreram na pandemia. Vinte e seis deles tinham entre 20 e 40 anos.

Para comparação, os pesquisadores examinaram os ossos de 288 pessoas que morreram antes da pandemia.

Os resultados foram claros: aqueles cujos ossos indicavam que eram frágeis quando foram infectados —fossem jovens adultos ou pessoas mais velhas— eram, de longe, os mais vulneráveis. Muitas pessoas saudáveis também foram mortas, mas aqueles que já eram cronicamente doentes tinham muito mais chances de morrer.

Isso faz sentido, disse Arnold Monto, pesquisador de saúde pública e professor emérito da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan. Mas, segundo ele, embora o novo estudo faça "uma observação interessante", os esqueletos não eram uma amostra aleatória da população, então pode ser difícil ser específico sobre o risco que veio com a fragilidade.

"Não estamos acostumados ao fato de que adultos jovens e saudáveis vão morrer", o que ocorreu com frequência na pandemia de 1918, disse Monto.

Palese disse que havia uma explicação razoável para a curva de mortalidade em forma de W da gripe de 1918. Isso significa, segundo ele, que pessoas com mais de 30 ou 40 anos provavelmente haviam sido expostas a um vírus semelhante que lhes conferiu alguma proteção. Adultos mais jovens não haviam sido expostos.

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