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Revista científica ignorou atrocidades nazistas, revela artigo

New England Journal of Medicine prestou 'atenção superficial' aos experimentos horríveis enquanto outros periódicos denunciavam o regime de Hitler

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Alexander Nazaryan
The New York Times

Um novo artigo no New England Journal of Medicine, uma das mais antigas e respeitadas publicações na área de para pesquisa médica, critica o próprio periódico por prestar apenas "atenção superficial e idiossincrática" às atrocidades perpetradas em nome da ciência médica pelos nazistas.

O periódico era "um ponto fora da curva em sua cobertura esporádica da ascensão da Alemanha nazista", escreveram os autores do artigo, Allan Brandt e Joelle Abi-Rached, ambos historiadores de medicina na Universidade Harvard.

Frequentemente, a revista simplesmente ignorava os atos nazistas na área médica, como os experimentos horríveis realizados em gêmeos em Auschwitz, que eram baseados principalmente na "ciência racial" espúria de Adolf Hitler.

Julgamento de médicos no Tribunal de Nuremberg - United States Holocaust Memorial Museum Collection

Em contraste, outras duas principais revistas científicas —Science e o Journal of the American Medical Association— cobriram as políticas discriminatórias dos nazistas durante todo o mandato de Hitler, observaram os historiadores. O periódico New England não publicou um artigo "explicitamente condenando" as atrocidades médicas dos nazistas até 1949, quatro anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.

O novo artigo, publicado na edição da semana passada, faz parte de uma série iniciada no ano passado para abordar o racismo e outras formas de preconceito no estabelecimento médico. Outro artigo recente descreveu a cobertura entusiástica do jornal sobre a eugenia ao longo dos anos 1930 e 40.

"Aprender com nossos erros do passado pode nos ajudar a seguir em frente", disse o editor do jornal, Eric Rubin, especialista em doenças infecciosas em Harvard. "O que podemos fazer para garantir que não vamos cair nas mesmas ideias condenáveis no futuro?"

Nos arquivos da publicação, Abi-Rached descobriu um artigo que endossava as práticas médicas nazistas: "Mudanças recentes no seguro-saúde alemão sob o governo de Hitler", um tratado de 1935 escrito por Michael Davis, uma figura influente na área da saúde, e Gertrud Kroeger, uma enfermeira da Alemanha. O artigo elogiava o foco dos nazistas na saúde pública, que estava impregnado de ideias duvidosas sobre a superioridade inata dos alemães.

"Não há referência à série de leis persecutórias e antissemitas que haviam sido aprovadas", escreveram Abi-Rached e Brandt. Em um trecho, Davis e Kroeger descreveram como os médicos eram obrigados a trabalhar em campos de trabalho nazistas. O dever lá, os autores escreveram, era uma "oportunidade de se misturar com todos os tipos de pessoas na vida cotidiana".

"Aparentemente, eles consideravam a discriminação contra os judeus irrelevante para o que viam como uma mudança razoável e progressista", escreveram Abi-Rached e Brandt.

No entanto, em sua maior parte, os dois historiadores ficaram surpresos com o quão pouco o jornal tinha a dizer sobre os nazistas, que assassinaram cerca de 70 mil pessoas com deficiência antes de se voltarem para o massacre dos judeus da Europa, bem como de outros grupos.

"Quando abrimos a gaveta de arquivos, quase não havia nada lá", disse Brandt. Em vez de descobrir artigos que condenavam ou justificavam as perversões da medicina pelos nazistas, havia algo mais intrigante: uma evidente indiferença que durou até bem depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

O periódico reconheceu Hitler em 1933, o ano em que ele começou a implementar suas políticas antissemitas. Sete meses após o início do Terceiro Reich, o periódico publicou "O Abuso dos Médicos Judeus", um artigo que hoje provavelmente enfrentaria críticas por falta de clareza moral. Parecia ser baseado principalmente em reportagens do The New York Times.

"Sem fornecer detalhes, o aviso relatou que havia indicações de 'uma oposição amarga e implacável ao povo judeu'", diz o novo artigo.

Outras publicações viam a ameaça do nazismo com mais clareza. A Science expressou alarme sobre a "repressão grosseira" dos judeus, que ocorreu não apenas na medicina, mas também na lei, nas artes e em outras profissões.

"O periódico e a América tinham visão estreita", disse John Michalczyk, co-diretor de estudos judacos no Boston College. As corporações dos EUA faziam negócios avidamente com o regime de Hitler. O ditador nazista, por sua vez, olhava favoravelmente para o massacre e deslocamento dos nativos americanos, e buscava adotar os esforços de eugenia que haviam ocorrido nos Estados Unidos ao longo do início do século 20.

"Nossas mãos não estão limpas", disse Michalczyk.

Abi-Rached disse que ela e Brandt queriam evitar ser "anacrônicos" e ver o silêncio da publicação sobre o nazismo por meio de uma lente contemporânea. Mas uma vez que ela viu que outras revistas médicas haviam adotado uma abordagem diferente, o silêncio do periódico assumiu um novo significado tenso. O que foi dito foi ofuscado pelo que nunca foi falado.

"Estávamos procurando estratégias para entender como o racismo funciona", disse Brandt. Parecia funcionar, em parte, através da apatia. Mais tarde, muitas instituições afirmariam que teriam agido para salvar mais vítimas do Holocausto se soubessem a extensão das atrocidades dos nazistas.

Essa desculpa soa oca para especialistas que apontam que havia relatos de testemunhas o suficiente para justificar a ação. "Às vezes, o silêncio contribui para esse tipo de mudanças radicais, imorais e catastróficas", disse Brandt. "Isso está implícito em nossa revista."

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