Mudança social explicaria redução da diversidade genética masculina no Neolítico

Estudo contradiz hipótese, levantada em 2018, relacionando a queda à violência entre clãs

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Pierre Celerier
Paris | AFP

A notável redução da diversidade genética masculina registrada há milhares de anos em todo o mundo seria explicada mais por uma mudança social do que por um onda de violência sem precedentes. A hipótese consta de estudo publicado nesta quarta-feira (24).

Uma equipe francesa do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) do Museu Nacional de História Natural (MNHN) e da Universidade Paris Cité diz acreditar que essa queda resultou da transição de um sistema reprodutor diversificado para outro baseado em uma linha patrilinear, ou seja, quando a descendência é contada em linha paterna.

Alguns desses clãs tinham menor capacidade de reprodução, o que acabou prejudicando toda a sua descendência.

Par de esqueletos humanos encontrado em sítio arqueológico de Mântua, região norte da Itália. Estima-se que eles tenham morrido há 5.000 ou 6.000 anos - Enrico Pajello/Reuters

O episódio ocorreu ao final do Neolítico, há entre 3.000 e 5.000 anos, e representou uma queda abrupta na quantidade do cromossomo Y, responsável pelas características sexuais masculinas. Essa queda foi identificada apenas recentemente, mediante a análise dos cromossomos e dos homens atuais.

O método permite "voltar no tempo", segundo Raphaëlle Chaix, especialista em antropologia genética do CNRS e coautora do estudo publicado na Nature Communications.

Este método permitiu, em um estudo publicado em 2015, identificar um evento "muito específico em relação aos homens: a queda de sua quantidade há cerca de 5.000 anos, quando tudo indica que havia apenas um homem a cada 17 mulheres participando da reprodução na Europa", afirma a pesquisadora do CNRS.

A redução, particularmente severa na Europa, afetou outras regiões, como o Antigo Oriente, Sibéria ou África, em um lapso maior de tempo.

Mudança 'não necessariamente violenta'

Léa Guyon, uma das autoras do novo estudo e doutoranda em antropologia genética sob supervisão de Raphaëlle Chaix e Evelyne Heyer, explica esse evento como uma "mudança na organização social, não necessariamente violenta".

Essa hipótese contradiz um estudo de 2018, segundo o qual "os clãs se matam entre si, fazendo com que algumas linhagens associadas a um determinado cromossomo Y desapareçam", o que resulta em uma perda quantitativa neste cromossomo. Essa pesquisa contabilizou uma perda de 15% de homens por geração.

O problema é que o registro arqueológico é escasso e incerto para comprovar que o mundo neolítico experimentou um episódio de violência universal e duradouro, lembra o estudo.

O modelo de Léa Guyon se baseia em uma linhagem segmentar patrilinear.

Os clãs se dividem quando se tornam muito grandes, formando subclãs nos quais "os homens mais relacionados se agrupam, contribuindo assim para a seleção dos cromossomos e dos clãs".

Em seguida, alguns clãs desaparecem e outros têm mais sucesso em reproduzir-se, "porque têm uma posição social mais elevada, mais poder ou recursos", afirma a especialista.

O modelo explica a forte redução da diversidade genética ao longo de 2.000 a 3.000 anos.

Em relação às causas dessa transição social, os autores indicam o surgimento do agropastoralismo, quando as populações caçadoras-coletoras foram substituídas por agricultores e criadores de gado.

"Quando comparamos as populações caçadoras-coletoras atuais e as populações agropastoris, as primeiras são muito menos patrilocais e patrilineares do que as segundas", observa Raphaëlle Chaix.

O estudo permitiu compilar mais de mil genomas em populações patrilineares, que segundo os autores demonstram que os sistemas patrilineares segmentares experimentam uma importante perda de diversidade genética de cromossomo Y.

O surgimento de uma economia agropastoral, que permite a acumulação de recursos como gado, teria favorecido a patrilocalidade —em que o casal se instala na comunidade do marido— e a patrilinearidade, lembra o estudo.

A equipe agora pretende estudar "esses sinais em cada continente, trabalhando para contar uma história um pouco mais específica para diferentes regiões do mundo", segundo Chaix.

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