Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Descrição de chapéu Coronavírus

A cliente folgada do restaurante e a maldade humana na pandemia

No mundo gastronômico, não há nada mais egoísta e maldoso do que ligar, dizer que vai jantar e aí mudar de ideia sem avisar

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Ando raivosa, achando que certas pessoas, de tão ruins, mereceriam um tapa na cara ou coisa pior. Da miríade de maldades que ando vendo por aí tem uma que me irrita especialmente: reservar mesa em restaurante e dar cano. "O que?", alguns de vocês poderiam pensar.

Afinal, tem muita coisa bem mais grave do que isso, todo dia algum bêbado dá tiro ou facada em alguém num botequim ou bate na mulher. Sim, é a triste verdade —mas isto aqui é uma coluna de gastronomia. E, no mundo gastronômico, não há nada mais egoísta e maldoso do que ligar, dizer que vai jantar e aí mudar de ideia sem avisar.

Pode parecer coisa pequena mas não é. Ter restaurante é dificílimo. Em geral se trabalha muito e se ganha pouco. Se a margem de lucro já era pequena antes da pandemia, agora, com a obrigação de eliminar pelo menos a metade das mesas e com as tantas outras limitações impostas, ficou praticamente impossível ganhar dinheiro nesse ramo. Então se uma mesa entre cinco passa a noite vazia, ninguém precisa fazer as contas para entender o tamanho do estrago no caixa.

Dar cano sem avisar é o que se chama em inglês de "no-show", um problema recorrente que enfurece chefs ao redor do mundo. Já foram inventadas diferentes soluções, a mais radical dela sendo o ato de cobrar a conta antecipadamente. O vanguardista Alinea, em Chicago, e o famoso Noma, em Copenhague, são dois de vários restaurantes gastronômicos que passam o cartão de crédito do cliente no ato da reserva. Um porém –ambos são de chefs-celebridade que, de tantos admiradores fazendo fila para provar seus menus, podem se dar esse luxo.

Há diversos mecanismos espertos que desencorajam os "no-shows". O site americano de reservas Opentable.com computa os canos dos usuários e vai sujando a ficha deles proporcionalmente ao número de "no-shows", tornando mais difícil ao infrator conseguir reservas a cada pisada na bola. Mas, apesar dos diferentes métodos de contornar o problema, a grande maioria dos restaurantes acaba arcando com o prejuízo.

E cadê a tal da empatia de qual tanto se fala durante esta pandemia? Quanta tolice. Pau que nasce torto morre torto, tanto que os "no-shows" continuam acontecendo, sem piedade. Não vai ser um vírus que vai ensinar alguém a ter educação. A prova é a Ariane, arquétipo da cliente folgada, que mereceu uma carta aberta postada no Instagram do chef Rafa Costa e Silva, do carioca Lasai.

"Olá, Ariane, hoje você não apareceu e não atendeu o nosso telefonema ou email. Ficamos esperando você chegar, tínhamos lista de espera de pessoas que queriam vir e não conseguiram, pois 'todas' as mesas estavam reservadas. Você fez a sua reserva na sexta-feira, dia 24. Lembra que você nos avisou que seria comemoração de aniversário? Tínhamos até uma surpresa para essa comemoração! Eram três pessoas, 20% da nossa nova capacidade, atendendo a todas as medidas de segurança necessárias. Será que uma ligação avisando que não poderia comparecer custa tanto assim? Hoje, as 15 pessoas e seus familiares que dependem de vocês para sobreviver, eu incluso —irão para casa muito tristes, muito mesmo, estávamos contando com isto para pelo menos pagar os salários que vencem semana que vem! Não faça mais isso, é feio, prejudica as pessoas e quebra estabelecimentos!”, diz a carta do chef.

A reação foi estrondosa. Milhares de likes, centenas de comentários empáticos e ataques à dita cuja. Dias depois…. Pimba! Foi a vez da Samara levar uma bronca do chef pelo Instagram. Sim, acreditem, o Lasai levou outro cano. O restaurante cobrava, até o início da pandemia, taxa de R$ 50 por reserva, não reembolsável em caso de "no-show" —mas Rafa aboliu a medida quando veio a pandemia: “não é o momento”, diz.

"Pelo menos o problema melhorou bastante desde que fiz os posts, quase pararam os 'no-shows'". Mas ele não se ilude, sabe que tem muita gente que pensa em si e não nos outros. Dentre muitos chefs que se solidarizaram com Rafa nas mídias sociais, Benny Novak, dos paulistanos Ici Bistrô e Tappo Trattoria, foi o que melhor resumiu o problema. "Esse é o famoso 'tô cagando' pra você. Ariane só olha pro próprio umbigo.”

O Brasil está cheio de Arianes. E Arianes são como crianças tinhosas, só tomam jeito com castigo.

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