Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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Alvaro Costa e Silva
Descrição de chapéu

No calor de 1968

Nelson Rodrigues e José Carlos Oliveira traduziram a agitação enquanto ela acontecia

Nelson Rodrigues, autor de 'O Óbvio Ululante' e 'A Cabra Vadia'
Nelson Rodrigues, autor de 'O Óbvio Ululante' e 'A Cabra Vadia' - Divulgação

A esperada avalanche de obras sobre o Maio de 1968 não veio. É uma prova da retração do mercado editorial, que não consegue superar a crise, agravada com a menor participação do governo na compra de títulos. 

Pelo menos, saiu um livro delicioso: “Um Ano Depois”, no qual a atriz Anne Wiazemsky, uma das musas de Jean-Luc Godard e neta de François Mauriac, relata suas memórias daquele período decisivo. Sob a ótica, claro, dos franceses.

Ganhou reedição “O Ano que Não Terminou”, de Zuenir Ventura, reconstituição que virou um clássico do jornalismo. Mas dois articulistas, opostos em tudo —um deles usava suspensórios e deitava-se cedo; o outro exibia barbicha de revolucionário e morava nos botequins—, mostraram o nosso 1968 de forma insuperável. Detalhe: ambos escreveram no calor da hora, sem o chamado distanciamento. 

Nelson Rodrigues tratou a época em “O Óbvio Ululante” e “A Cabra Vadia”, ultrapassando em muito o simples registro. Fica evidente a pegada de Nelson como ensaísta, à maneira de um Montaigne da Aldeia Campista, sua intuição para a crítica (e a autocrítica), seu faro histórico e fino humor.

Enquanto o mundo pegava fogo nas ruas, ele não escondia sua opinião sobre os assuntos do momento: as passeatas, a esquerda festiva, o poder jovem, os festivais da canção, o Vietnã, d. Helder, Sartre, o decote de Elizabeth Taylor e “as grã-finas amantes espirituais de Guevara”.

As contradições e impasses do meio artístico e intelectual surgem no “Diário da Patetocracia”, que reúne os textos publicados por José Carlos Oliveira no Jornal do Brasil. Com fama de desbundado, Carlinhos percebeu a relação de prazer, alegria e invenção que havia no movimento. Foi incompreendido porque não se atrelou a grupo algum: “Todo mundo está ficando louco e ninguém toma a menor providência”. 

A frase vale para hoje.

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