O Rio é reinado do barulho. A principal característica de seus habitantes não é o espírito carioca, pois espíritos não costumam sair gritando por aí; preferem se comunicar de maneira silente através dos copos que se mexem na mesa branca. Na cidade não mais se fala ou se conversa; se berra, brada, guincha, ulula, urra, vocifera, sobretudo no meio da rua e contando sua vida no celular.
Desde os tempos de Ivan Lessa que no Rio se assobia (pessimamente) dentro do elevador. Vivemos no volume máximo, decibéis de estourar o tímpano. Excedemos na poluição sonora: buzinas, freadas, carros envenenados, escapamentos de motos, caminhões, helicópteros, britadeiras, bate-estacas, caixas de som gigantes na praia, bailes funk, templos religiosos, sinfonias de latidos, xingamentos de torcedores, saxofonistas na janela, feiras livres, restaurantes e botequins com mesas na calçada. Eventualmente, tiros.
Quem chega de fora logo confirma: é o lugar mais esporrento do mundo. Com o desemprego também nas alturas, ficou mais ainda. Os ambulantes e seus pregões se multiplicaram: o homem da marmita, o homem da vassoura, o homem do caranguejo, o homem da rosca etc. Até gosto deles, talvez pelo que tenham de anacrônicos. Em perturbação do silêncio, nem se comparam à caminhonete do ferro-velho, com música gospel louvando os surdos, e à Kombi do "Olha o sacão de alho roxo!", anunciado por R$ 10 no alto-falante.
A situação chegou a tal ponto que obrigou alguém a tomar uma atitude. O novo subprefeito da zona sul, Flávio Valle, que conheceu o prefeito no WhatsApp, resolveu concentrar as queixas sobre a barulheira nos bairros em um número de... WhatsApp. Sem fiscalização, é a única coisa a fazer: entrar no grupo, reclamar e esperar —de preferência, com tampões no ouvido.
Fico por aqui porque preciso fazer uma compra. De longe ouvi o homem do caranguejo, com sua voz de mangue, dobrando a esquina.
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