Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi

Eduardo Guardia

Economista transpirava gentileza, confiança, respeito, empatia e competência

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Ana Paula Vescovi

Essa é uma história repleta de admiração, respeito, amizade.

Conheci o Eduardo no fim dos anos 1990, em Brasília, recém-chegada ao serviço público federal. Éramos jovens e tivemos o privilégio de aprender a fazer política pública e a tomar decisões que afetam a vida de milhões de pessoas com profissionais do calibre do Amaury Bier, José Roberto Mendonça de Barros, Pedro Parente, Murilo Portugal.

O ex-ministro da Fazenda Eduardo Guardia, durante evento em São Paulo
O ex-ministro da Fazenda Eduardo Guardia, durante evento em São Paulo - Rahel Patrasso - 11.jun.18/Xinhua


Um time que tinha à frente Pedro Malan na Fazenda, Martus Tavares no Planejamento, além de Gustavo Franco e depois Arminio Fraga no Banco Central. Foi esse time que ajudou a colocar o Plano Real de pé e a criar as regras fiscais que ainda servem de rumo para a nossa economia. Foi esse o time que fez a renegociação das dívidas subnacionais e trabalhou pela aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que levou o Brasil ao superávit primário necessário para equilibrar a dívida pública e a crescer de modo sustentado no início dos anos 2000.

Eduardo era o técnico que havia estudado a fundo o tema fiscal e orçamentário e, no governo, fora uma voz importantíssima nas discussões que ajudaram o país a enfrentar a combinação de endividamento explosivo e contas públicas em descontrole.

Em 2002, Eduardo se tornou o mais jovem titular do Tesouro Nacional e foi quem gerenciou a crise econômica na transição eleitoral, com forte depreciação cambial diante da perspectiva de mudança de governo. Eram muitas as incertezas sobre a futura condução da política econômica. Naquele momento, com dívida muito curta e atrelada ao dólar, entre outros fatores, o Tesouro ficara com sérias dificuldades de se financiar. Foi a reputação do time que conseguiu construir uma passagem segura para o próximo governo, com foco na transição de altíssimo nível. E, assim, Eduardo pôde passar um Tesouro solvente para o seu sucessor.

Anos se passaram, e eu, por vezes, tinha notícias do Edu, como os amigos o chamavam. Foi secretário de Fazenda em São Paulo e, no setor privado, consolidou também sua posição como um profissional respeitado e disputado. Trabalhou por anos na BM&F e ajudou a formar a B3 que conhecemos hoje. Foi um período em que tivemos poucas oportunidades de nos encontrar.

Em 2016, a história nos uniu novamente. Convidada por Henrique Meirelles, que acabara de ser empossado ministro da Fazenda, assumi a chefia do Tesouro Nacional, numa outra crise fiscal aguda ou até mais aguda que as anteriores. Menos de um mês depois, soube que Eduardo seria meu chefe imediato, o segundo na hierarquia da economia do país. Veio para comandar um time de secretários que, muito mais que amigos, eram economistas com valores e pensamento muito alinhados e forte compromisso público.

Para mim, foram marcantes suas primeiras palavras de apoio: "Ana, trabalhar pelo Tesouro é um privilégio, pois os desafios imensos são superados pela possibilidade de mudar o Brasil".

Assim, enfrentamos o dia a dia da execução orçamentária durante a crise que extirpou 7% da renda dos brasileiros. Eduardo fazia uma ponte técnica com o Banco Central de Ilan Goldfajn e coordenava a construção de soluções com os times: teto de gastos; Regime de Recuperação Fiscal para os governos estaduais; nova Taxa de Longo Prazo para os financiamentos do BNDES; mudanças no Fies para tornar sustentável o financiamento estudantil; implementação da nova Lei das Estatais; transparência dos números dos subsídios creditícios e tributários; formulação da reforma da Previdência; negociação da cessão onerosa e o ajuste de capital e de governança na Caixa.

Quando em 2018 se tornou ministro, convidou-me a substitui-lo na Secretaria-Executiva.

Enfrentamos a greve dos caminhoneiros —segundo ele, o momento mais crítico da sua carreira— com um subsídio transparente ao diesel, cumprindo metas e regras fiscais. Graças à sua persistência e percepção de oportunidade política, conseguimos concluir a privatização das distribuidoras de energia da Eletrobras.

Liderou uma transição impecável no Ministério da Fazenda, processo iniciado ainda nas eleições, quando recebemos todos os economistas designados pelos candidatos à Presidência. Definida a eleição, costurou pessoalmente reuniões para apresentar e abrir o diálogo do seu sucessor com os presidentes das Casas no Congresso.

Como descreveu a jornalista Miriam Leitão, Eduardo tinha a capacidade de dialogar, aceitar diferenças, mostrar seu ponto de vista e conseguir fazer dos números algo mais gentil do que árido. Transpirava gentileza, confiança, respeito, empatia e competência diante dos mais difíceis interlocutores.

Fez muito pelo Brasil com a tranquilidade de quem decidiu servir o país em diferentes momentos da sua carreira. Hoje, olhando com orgulho todas as homenagens que recebeu, vejo o quanto todas fazem jus à pessoa que ele sempre foi.

Os momentos duros que dividimos no governo nos fizeram grandes amigos. Continuará para sempre a ser uma das pessoas que mais me influenciaram e mudou a direção da minha carreira ao incentivar que eu tivesse uma experiência no setor privado. Eduardo habita não apenas a minha memória mas um lugar especial na minha história e na história do meu país.

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