Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi
Descrição de chapéu Selic juros Banco Central

A Selic sozinha não faz verão

Dinamizar o mercado de crédito depende de esforços que vão muito além da redução da taxa básica de juros

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O Brasil se aproxima de mais um ciclo gradual de redução da taxa Selic. Muitos associam essa queda à possibilidade de obtenção de crédito em melhores condições e de rápida reativação da atividade econômica. Daí se explica a pressão sofrida pelo Banco Central nos últimos meses.

Há vários problemas nessa intuição, mas neste artigo pretendo focar os determinantes da diferença (spread) entre a taxa Selic e a taxa de juros que chega ao tomador final do crédito.

O Brasil tem feitos esforços notáveis para ter um sistema de crédito mais amplo, eficiente e acessível para o maior número possível de pessoas. Temos um dos bancos centrais mais engajados nos avanços tecnológicos recentes, um dos que primeiro introduziram um sistema de pagamentos instantâneos em larga escala, além de promover regulação mais leve para novas instituições financeiras, especialmente plataformas digitais. Tudo isso em consonância com um sistema bancário seguro, sólido e confiável.

Sede do Banco Central em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Outras inovações vêm sendo adotadas desde o início dos anos 2000, como o patrimônio de afetação, a alienação fiduciária, o crédito consignado, os incentivos tributários para a poupança de longo prazo, entre outros.

Contudo, ainda convivemos com um dos spreads e, portanto, juros ao tomador final, mais altos do mundo. Temos investido em inúmeros estudos na busca de respostas e, do mesmo modo, em inúmeras iniciativas para reduzi-los. Para falar sobre spreads bancários, vale a máxima de, que para problemas complexos, não existem balas de prata.

Uma das causas é a difícil recuperação das garantias. Segundo relatório da Oliver Wyman (2018), no Brasil recuperam-se cerca de 13% das garantias concedidas após quatro anos. A média da América Latina está em 31% em 2,9 anos, e a da OCDE, em 71% em apenas 1,7 ano. A lentidão e interpretações pouco estáveis do Judiciário constituem um ambiente burocrático e adverso. O novo marco de garantias pretende instituir um serviço de gestão especializada na tentativa de alcançar maior pragmatismo e segurança na execução de dívidas, em caso de inadimplência. Programas de educação financeira também vão na direção correta.

Mas, sem um Judiciário que se debruce a analisar os fundamentos do tema, não haverá solução. O exemplo do crédito consignado é valoroso. Exceto em casos muito específicos, a execução da garantia (salário) é imediata e com custos baixos. A inadimplência é a menor observada no crédito pessoal livre, atualmente em 3,8%, ante 7,7% do não consignado.

Os custos administrativos dos empréstimos são altos e continuam pressionados. Se a recente reforma trabalhista foi um avanço ao definir a prevalência dos acordos coletivos, os custos regulatórios vêm sendo maiores e assimétricos, pois demandam uso crescente de tecnologias para atender a padrões contábeis, tributários e de supervisão, cada vez mais complexos.

A adoção de novas tecnologias está apenas começando. Há cada vez mais sofisticação no uso de dados massificados e na construção de algoritmos a fim de definir o risco para cada tipo de crédito. A inteligência artificial é uma realidade nessa área. A introdução do open finance e do cadastro positivo e o papel dos birôs de crédito facilitaram o acesso a informações críticas, na direção de ganhos de eficiência.

A duplicata eletrônica deve ganhar força para melhor precificação de recebíveis, com a adoção do Real Digital. O Brasil, ademais, se destaca pelo elevadíssimo número de ataques cibernéticos, com mais de 103 bilhões de tentativas em 2022, ficando atrás apenas do México (187 bilhões).

Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), o total do orçamento bancário em tecnologia chegou a R$ 35 bilhões no ano passado, com expectativa de alta de 30% neste ano.

No Brasil, pagam-se impostos tanto sobre serviços financeiros como também sobre os spreads. Aos impostos diretos e indiretos soma-se a contribuição ao FGC (Fundo Garantidor de Créditos), que é desigual. Há elevada incerteza e judicialização, mediante frequentes alterações de alíquotas.

Os créditos tributários acumulados no sistema somam a impressionante cifra de R$ 281 bilhões (2,8% do PIB) apenas nos cinco maiores bancos. Diferentemente do que se intui, não são os bancos a pagar essa conta, e sim os tomadores de crédito. A reforma tributária é imensa oportunidade para correção de distorções e aproximação do Brasil das práticas internacionais.

Por fim, existem perdas pelo direcionamento de crédito que travam maior democratização deste. A nova TLP (Taxa de Longo Prazo) para empréstimos do BNDES reduziu subsídios, catapultou o crédito privado e liberou o crédito bancário para as pequenas e médias empresas, com menos acesso ao mercado de capitais. Atualmente, estas têm praticamente a mesma representatividade dentro do crédito bancário (9,6% do PIB) comparativamente às empresas de capital aberto (11% do PIB). Com isso, o crédito aumentou sua participação no PIB de 100% para 150% em pouco mais de cinco anos, restando ainda longo caminho até o padrão das economias avançadas (300% do PIB).

Novos saltos dependerão de novas iniciativas na mesma direção. Ainda que preservando o FGTS para financiamento à habitação e saneamento, a abertura do acesso ao fundo pelo mercado financeiro e de capitais privado permitiria, de um lado, melhor definição de taxas, menor custo de transação e melhor alocação, e, no outro, remuneração mais justa para mais de 200 milhões de contas dos trabalhadores.

Mesmos com inúmeros esforços empreendidos, os problemas históricos de acesso e alocação em fontes de recursos direcionados e spreads bancários elevados ainda persistem. E as soluções encontram-se muito além do que a provável redução da taxa Selic possa vir a resolver.

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