Open finance esbarra em falta de educação financeira após 2 anos de operações

BC se prepara para implementar neste ano nova fase do sistema, que possui 15 milhões de clientes

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Brasília

O open finance –ecossistema que permite o compartilhamento de dados pessoais, bancários e financeiros entre instituições, mediante autorização– completa dois anos em operação com 15 milhões de clientes, segundo dados do Banco Central.

A adesão, ainda tímida e equivalente a cerca de 8% dos 188 milhões de brasileiros que possuem conta bancária no país, reflete a falta de educação financeira da população e a complexa implementação operacional do sistema.

O objetivo do open finance é incentivar a inovação e estimular a concorrência de forma a ampliar e baratear a oferta de serviços financeiros.

Fachada do Banco Central, em Brasília - Antonio Molina - 11.jan.22/Folhapress

Hoje, são cerca de 800 instituições participantes, incluindo bancos, cooperativas de crédito e fintechs, e 22 milhões de consentimentos ativos.

O número de consentimentos é superior à quantidade de usuários porque o compartilhamento de dados depende da autorização dos clientes para cada finalidade específica pelo período de tempo escolhido. Ou seja, uma pessoa pode dar mais de um consentimento para determinada instituição e revogá-lo a qualquer momento.

João André Pereira, chefe do departamento de regulação do sistema financeiro do BC, reconhece que o temor da população quanto ao compartilhamento de informações é um desafio para a consolidação do open finance, mas acredita que esse obstáculo será superado conforme os benefícios se tornem palpáveis aos olhos dos clientes.

"A tendência é crescer na medida em que a gente for superando todas as etapas de implementação. As funcionalidades vão entrando, as instituições financeiras vão pensando novos produtos, oferecendo benefícios. O que importa para uma pessoa fazer o compartilhamento? Ela entender que tem um benefício por trás, que ao compartilhar seus dados, vai ter acesso a tais oportunidades", diz.

Segundo levantamento feito pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) com participantes do open finance, 45 produtos e serviços já são oferecidos aos clientes, incluindo, por exemplo, agregadores financeiros e soluções por melhores condições de crédito.

A iniciação de pagamentos –função que entrou em vigor na terceira fase de implementação e permite que o usuário movimente sua conta a partir de diferentes plataformas— é vista por Marcelo Martins, diretor executivo da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs), como um chamariz para o sistema.

"Quando a gente olha 2022, foi um ano de descoberta, de novas funcionalidades, agora 2023 é o ano da consolidação. Já existem casos de uso, uma tecnologia minimamente estável. A gente vai ver no mercado aparecer vários casos de uso, chamo a atenção para a iniciação do pagamento. Acredito que essa será a primeira porta de entrada para o usuário comum no open finance", diz.

A expectativa do BC e das instituições é que o ecossistema ganhe mais robustez neste ano com a implementação da quarta fase do projeto, que englobará participantes de variados setores, incluindo seguradoras, corretoras de investimentos, câmbio e previdência.

"Será o momento que o sistema vira open finance de verdade", sintetiza Martins.

O lançamento oficial do open finance, ou sistema financeiro aberto, foi aprovado em uma resolução pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em 24 de março de 2022. Mas o cronograma de implementação sofreu mudanças devido à necessidade de adequações operacionais e regulatórias.

Ele faz parte da agenda evolutiva da infraestrutura batizada como open banking, que teve seu pontapé inicial dado em 1º de fevereiro de 2021 e envolvia apenas os participantes bancários em um primeiro momento.

Os dados dos clientes começaram a ser compartilhados, de fato, entre as instituições financeiras na segunda fase, que foi implementada de forma escalonada. Em uma primeira etapa, tratava-se de informações cadastrais, como endereço, renda e dados pessoais e, em um segundo momento, dados sobre operações de crédito e cartões de crédito.

Em julho de 2022, o diretor Otavio Damaso (Regulação) disse que o open finance ainda não estava funcionando "a pleno vapor" e que alguns entraves na comunicação entre as instituições financeiras haviam sido identificados.

"A gente ainda tem alguns problemas de inconsistências, que a área de supervisão está tratando caso a caso. Mas essas informações já estão circulando, e os bancos já estão usufruindo dessas informações para entender cada vez melhor o comportamento e as demandas do seu cliente", afirmou na ocasião.

No evento, Damaso reconheceu que o prazo estipulado para a implementação do sistema foi "apertado" e ainda destacou que as APIs (interfaces de comunicação por meio que as instituições se comunicam) precisavam estar "100% ajeitadas" para a informação dos clientes fluir com qualidade.

De acordo com o chefe do departamento de regulação do sistema financeiro do BC, foi feito um "freio de arrumação" nos últimos meses, o que fez a taxa de sucesso da comunicação entre os participantes do sistema saltar de cerca de 40% para 97%.

"Quando os problemas de interconectividade começaram a aparecer, as instituições resolviam bilateralmente. Mas, para dar certo, não adianta ter soluções bilaterais, precisa ser [uma resolução] global. Foi feito um grande esforço dentro da estrutura de governança para conseguir organizar todas essas questões", diz.

A autoridade monetária enfatiza que o open finance foi concebido como um projeto de prazos mais longos, dada a complexidade da estruturação tecnológica e conceitual de sua infraestrutura. "A gente sempre tem de lembrar que o open finance não é um produto, é uma grande rede", afirma Pereira.

Segundo ele, os principais efeitos do sistema, como a redução da assimetria de informações entre as instituições e o impulsionamento da concorrência, serão percebidos ao longo do tempo e de forma gradual.

"O decolar do open finance é algo de médio e longo prazo, mesmo com menos produtos mirabolantes e inovadores, já vimos um crescimento muito grande desde o início comparado com outras jurisdições. Diria que já decolou, agora a tendência é só melhorar", acrescenta.

Segundo relatório divulgado pela Open Banking Excellence, em parceria com a Universidade de Oxford, o Brasil tende a ultrapassar o Reino Unido, pioneiro na implementação do sistema, e assumir a liderança global do ecossistema.

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