Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi

Os reais limites do gasto público

Os reais limites são os sociais e econômicos, ainda mais fortes que os limites legais

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Para serem fortes o suficiente e críveis, as regras fiscais precisam estar alinhadas com compromissos políticos e, portanto, com a sociedade.

No passado, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro e o teto de gastos foram sendo alterados e reinterpretados, demonstrando a superioridade das escolhas públicas ante os textos formais. Contudo, a deterioração das regras não passou impune e elevou incerteza e riscos para o conjunto da população.

Mas, em última instância, as decisões de ampliar gastos são limitadas por fatores reais, pois o cobertor é curto.

um economista de costas, com um pincel azul na mão esquerda, fazendo contas num quadro negro (na cor verde escura) com moldura em madeira clara. O título escrito no quadro verde é: Contas Públicas. O quadro está todo cheio com equações matemáticas escritas com giz na cor branca. As equações também estão escritas, na cor azul, nas paredes ao lado, acima e abaixo do quadro negro. Aparecem também espalhadas no meio das equações as palavras Regra Fiscal, Contribuintes, Legitimidade Social, Inflação, Custo, e Sustentabilidade. A cor da parede é cinza claro
Amarildo

Um primeiro limite para o aumento de gastos públicos está na disposição da sociedade em pagar mais impostos de tempos em tempos para reequilibrar as contas. A simples falta de compensação pela alta de impostos implica dívida pública crescente e maior custo de financiamento (juros).

Há países que convivem com déficits fiscais e com dívida pública elevada. Mas esses lugares possuem regras e regulações mais amigáveis para a produção e o investimento e conseguem se financiar com juros mais baixos. Além disso, o crescimento da economia ao longo do tempo consegue compensar essa conta de juros. Esse não é o caso do Brasil.

Somos um país com escassez de capitais e onde a conta de juros é bem maior do que o crescimento potencial da economia (juro neutro, ou seja, aquele que não acelera nem contrai a economia, acima de 4% ao ano, em termos reais; PIB potencial abaixo de 2% ao ano). Ou seja, o esforço de coleta de tributos da sociedade, além de pagar as despesas do governo, ainda deve dar conta de compensar esse desequilíbrio, próximo a 2,5% do PIB. Assim, precisamos realizar superávits primários para que a dívida não discorra uma trajetória crescente e explosiva. Estamos longe dessa condição.

Outra limitação vem do ciclo econômico. A economia brasileira termina 2022 sem capacidade ociosa, normalizando o consumo entre bens e serviços após a pandemia e se recuperando de quebras de cadeias produtivas. O mercado de trabalho seguirá apertado até que o aumento de juros tenha pleno impacto. Injetar mais gasto público ou ter que aumentar ainda mais os impostos significa alimentar uma inflação ainda distante da meta de longo prazo, de 3%. Se observarmos um descolamento das expectativas de inflação para 2024 e 2025, um Banco Central independente poderá ser impelido a voltar a subir o juro básico (taxa Selic) ou a mantê-lo alto como está por mais tempo, em vez de reduzi-lo. Um efeito contraproducente para a elevação de gastos, nesse momento particular.

A inflação, por sua vez, ajuda a elevar receitas públicas e a conter a evolução da dívida a curto prazo. Contudo, a estratégia costuma durar pouco, até que as expectativas de alta dos preços se descolem da meta; e o remédio amargo sempre recai sobre a população, tal como observamos na recessão entre 2014 e 2016.

Uma terceira limitação é a percepção de risco pelos investidores (empresas ou famílias, residentes ou estrangeiros) sobre os ativos brasileiros, tais como títulos da dívida, Bolsa de Valores ou mercados futuros. Esses agentes aplicam suas poupanças para abrir um negócio, ou para realizar seus projetos, como comprar carro, casa, previdência, ou para proteger o valor dos seus recursos ao longo do tempo. Assim, quanto maior o risco de aumento de impostos ou de aumento da inflação, maior o retorno exigido pelos poupadores.

Outro limite está nas expectativas sociais, pois a percepção de bem-estar reverbera sobre a popularidade do governo e ajuda a sustentar sua agenda. Eleições polarizadas como as que tivemos impõem restrições importantes na partida, reduzindo o espaço para eventuais erros de avaliação.

Desde antes da pandemia tem havido piora na evolução de ativos brasileiros: os juros nominais (cinco anos à frente) saíram de 6,2% para 13,5% ao ano; com idas e vindas, a Bolsa ficou próxima a 110 mil pontos, mesmo com valorização de mais de 70% dos setores de commodities; a taxa de cambio saiu de R$ 4,15 para R$ 5,30 por dólar; a inflação implícita cinco anos à frente saiu de 3,8% para 7%! Obviamente, a situação global ajuda a compor esse quadro de aversão ao risco.

O risco macroeconômico não é negligenciável. Por outro lado, uma melhora na percepção de risco sobre o Brasil, com sinais claros de austeridade no campo fiscal, pode trazer um processo virtuoso entre a sociedade, a política e a economia. Desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, a América Latina, em particular México e Brasil, está sob olhar atento de investidores estrangeiros, que miram um mar de oportunidades associadas às novas pautas (ambiental, transição energética, reaproximação de cadeias produtivas globais) e a outras mais tradicionais (commodities).Mas, para que isso ocorra, um compromisso crível de ajuste fiscal, ainda que gradual, cumpre o papel de reduzir incertezas. O ajuste iniciado em 2015 ainda não terminou.

Escolher os mais pobres como foco do orçamento público é algo amplamente desejado por todos, pois a elevada desigualdade constrange e inibe oportunidades. Mas é possível fazê-lo e, ao mesmo tempo, sinalizar compromisso firme com revisão ampla do orçamento —excesso de gastos obrigatórios; subsídios para os não pobres—, melhorando foco e qualidade dos programas sociais, o que abre espaço para compensar gastos mais urgentes. E, paralelamente, seria fundamental reeditar o compromisso com as reformas estruturais e com a sustentabilidade da dívida pública.

Não existe regra fiscal perfeita; existem diversos desenhos possíveis com vantagens e desvantagens, e os seus respectivos custos. Se o teto de gastos foi uma regra mais rígida e dependente de reformas estruturais, foi também simples e, portanto, fácil de promover a convergência de expectativas. Na sua origem, promoveu a convivência com juros mais baixos e inflação sob controle. Outras regras, mais flexíveis, tendem a ser mais complexas e, possivelmente, menos eficientes em relação aos objetivos pretendidos.

É preciso estabelecer prioridades e reconhecer as limitações reais que a conjuntura impõe. Comunicar tais escolhas e "amarrar as próprias mãos" com um ponto de partida moderado no orçamento federal e uma regra fiscal crível contribuirão para reduzir incertezas, atrair apoios e investimentos e abrir um caminho mais seguro para a realização da agenda social.

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