Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Bolsonaro pratica política de autoexclusão nas grandes arenas

Presidente abre espaço para que outros reivindiquem o lugar de porta-voz da nação

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Quem tem boca vai a Roma. Bolsonaro foi. Seria hora para a grande política, mas o presidente prefere a política paroquial. Ignorado pelos jogadores internacionais de primeira, dedicou-se ao turismo chinfrim de segunda. Em vez de se entrosar, assistiu ao jogo dos estadistas do G20, como viu a torre de Pisa, do lado de fora.

Nem mesmo acertou o nome do senador que lhe arranjou cidadania honorária. Chamou Matteo Salvini de "Salvati". Mas quem o salvou mesmo foram jatos de água, cassetetes e bombas de gás lançados sobre manifestantes tão inconformados quanto a maioria dos brasileiros com sua presença. Impediu-se o exercício do direito que Bolsonaro reverenciou como o "mais sagrado entre nós: a nossa liberdade". Liberdade seletiva.

Bolsonaro diante da Embaixada do Brasil na Itália - José Dias-29.out.21/PR

Usando a sua, Txai Suruí, que também tem boca, abriu-a em Glasgow. Enquanto o presidente perambulava às tontas pela Itália, chamou a si a representação dos brasileiros na Cúpula do Clima, com discurso curto e incisivo: "a Terra está falando, ela nos diz que não temos mais tempo".

O contraste não é só de estilo, são dois métodos de política perigosa.

Suruí pratica o ativismo de alto risco, como todos os movimentos sociais que atuam nos confins. Aí se incluem as mobilizações indígenas, que reivindicam permanecer em seu território, como as de movimentos que demandam terra onde plantar e viver. É política de risco porque a reação tem formato de chumbo.

Nesta semana, uma milícia de 20 encapuzados tocou terror no assentamento Fabio Henrique do MST, em Prado, na Bahia. Reféns, depredações, fogo, tiros. Ninguém morreu, mas muitas vezes morre. Em sua fala, Txai lembrou Ari Uru-Eu-Wau-Wau, assassinado por denunciar extrações ilegais de madeira.

É extenso o rol de lideranças de movimentos sociais que somem na calada da noite, como com sol a pino. Perdem mais que seu direito constitucional de manifestação pública de dissenso, perdem a vida.

Os conflitos fundiários nos fundões do país são, desde que o Brasil é Brasil, incandescentes. Mas pegam fogo mesmo quando o estado some.

Aí entra outro método de política perigosa, o praticado pelo presidente. Sua gestão retirou o estado das áreas sob litígio, ali onde a autoridade estatal é imprescindível para que os conflitos sejam resolvidos por vias legais, em vez de nas vias de fato.

Na maioria dos governos, desde a redemocratização, o estado nacional mediava disputas entre grupos sociais antagônicos reclamando mesmas terras. Nem sempre havia bom desfecho, mas, na maior parte das vezes, ambas as partes eram tomadas como interlocutores legítimos e tentavam-se soluções que não eliminassem nenhum dos lados.

Sob Bolsonaro, o estado nacional se retirou, deixando as forças locais em litígio se confrontarem diretamente, num estado de natureza. Ali aonde as câmeras não chegam ou chegam tarde demais, a disputa política virou uma luta de eliminação.

É política perigosa para os ativistas, mas é também para o presidente. Bolsonaro é um perigo, como corre perigo. Em vésperas de começar seu ano de pato manco, pratica uma política de autoexclusão nas grandes arenas. Assim deixa livre o espaço para que outros, mais ambiciosos que Txui, reivindiquem o lugar de porta-voz da nação.

Tem quem ainda bote fé no futuro de Bolsonaro, supondo que as acusações que recebe vão acabar em pizza. O presidente, antecipando-se, fechou sua viagem neste estilo: "fui visitar a Torre de Pizza".

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