Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Carne de pescoço

O dono de offshore e ministro da Economia, apoiado por tantos ricos, prefere os pobres na pobreza

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É osso. E é pelanca. Os refugos são objeto de desejo e disputa em Cuiabá, no Rio de Janeiro, imagine lá onde as câmeras nem chegam. Na primeira década do século, o Brasil deu o salto triplo na política de erradicação da pobreza extrema.

Pode-se criticar Lula por tudo, menos por jogar ao vento a promessa de dar almoço e janta para quem só enchia a pança de ar. A popularidade nacional e a reputação planetária do ex-presidente estão indelevelmente associadas à concretização deste básico dos básicos, dar de comer a quem tem fome.

As políticas sociais petistas, bafejadas pela boa conjuntura internacional, tiraram a miséria do noticiário e das ruas. Em vez de reclamar das panelas vazias, os engajados foram batê-las contra a corrupção. O tempo passou, o governo do PT passou, a corrupção, não. E os famintos voltaram a assombrar os ricos.

Para os estratos altos, os pobres são necessidade imperiosa. Imprescindíveis para limpar casas e corpos de ricos já muito velhos e ou ainda muito pequenos, para quem babás, cozinheiras, cuidadores são gêneros de primeiríssima necessidade. São também indispensáveis quando a máquina da economia se move a todo vapor. Seu trabalho é o insumo e, como sabem bolsonaristas de Riachuelo e Havan, de seu bolso vem muito do consumo.

Mas os pobres dão dor de cabeça constante para os ricos. Nos ápices, são culpados de indolência, insolência e despreparo. Além de não se educarem sozinhos para as ocupações do novo século, ainda demandam salários altos, direitos trabalhistas, enfim, o pacote que infla o custo Brasil. Nas crises, atrapalham a paisagem, impondo-se nos cruzamentos, com seus biscates e apelos por esmola. Soam como ameaça. Por isso os ricos investem em segurança e autoarmamento.

Pobres são ainda um problema eleitoral. Se o voto fosse facultativo, supõem muitos, não haveria corrupção nem populismo nem Lula e Bolsonaro, pois a maioria dos pobres nem iria às urnas e apenas os politicamente educados votariam.

Elegeriam um grande estadista de centro, capaz de explicar em inglês o custo Brasil. Seria como antes do voto obrigatório: uma maravilha. Ninguém precisaria falar de pobre em ano pré-eleitoral, nem haveria prurido para extinguir política de renda mínima.

Afinal, asseverou o governador mineiro, do partido autointitulado “Novo”: "Nós sabemos, infelizmente, que muitas pessoas ao receberem esse dinheiro não fazem uso adequado do mesmo, vão para o bar, para o boteco, e ali já deixam uma boa parte ou quase a totalidade do que receberam".

Dinheiro jogado fora, porque quem corre atrás de pé de frango e osso de vaca obviamente vai beber os R$ 600 do auxílio em pinga. Romeu Zema apenas se obriga a pagar dada a véspera do ano eleitoral. É que pobre vota.

Gente como Zema acha que, além de não saber gastar, pobres não sabem votar. Daí porque, se a eleição fosse hoje, em vez de levar em conta a corrupção e o custo Brasil, votariam no “populista”.

Lula lidera com folga entre os de bolso vazio porque entende que “os pobres” não existem. Existem pessoas sem renda. Elas têm diversidade de ocupações, crenças e aspirações, exatamente como os ricos. Só não têm como realizá-las. Os governos Lula ajudaram essas pessoas. Como foi pobre, o ex-presidente sabe que pobre quer é ser rico. Já o dono de offshore e ministro da Economia, apoiado por tantos ricos, prefere os pobres na pobreza. Que parem de sonhar com Miami e se contentem com carne de pescoço.

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