Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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Lipoaspiração

Talvez devêssemos atender à sugestão de reduzir a Constituição a 25 artigos de princípios

Constituição Federal de 1988
Constituição Federal de 1988 - Sergio Lima - 3.out.2013/Folhapress

Temos sempre insistido que a Constituição de 1988 é o produto de um momento de revolta da sociedade brasileira: uma reação às restrições que lhe foram impostas nas duas décadas do regime autoritário.

A composição da Câmara e do Senado foi praticamente determinada pelos efeitos do enorme sucesso do combate à inflação produzido pelo plano Cruzado. 

Os desequilíbrios dos preços relativos e a distribuição de renda na véspera de sua execução sugeriam sua curta duração. Ele atacava os efeitos da hiperinflação, e não as suas causas. 

Resistiu mais do que se esperava porque recebeu um até então não visto apoio popular —os “fiscais do Sarney”, com tabela de preços nas mãos, invadiam os estabelecimentos que as violavam.

A eleição de 1985 foi feita dias antes de o governo obter um retumbante sucesso no plano eleitoral e reconhecer a falência do plano Cruzado. 

O MDB, o partido de Ulysses Guimarães, elegeu quase 60% dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado que se “transformaram” em “constituintes”

Há aqui um fato que revela o papel do acaso na história. José Sarney, vice-presidente de Tancredo Neves (eleitos indiretamente), assumiu o governo com a sua morte. 

Todos sabiam que Tancredo jamais faria uma nova Constituição. Seu plano era corrigir “meia dúzia de entulhos autoritários” da então vigente e conservar em suas mãos o poder que ela conferia ao chefe do Executivo. Sarney não teve condições políticas para fazer a mesma coisa.

Quem viveu a constituinte sabe que ela foi um pequeno milagre. Violou as leis da termodinâmica: o caos gerou a ordem, por um processo de discussão política que terminou em um documento, a Constituição de 1988, com 250 artigos (que regulou desde a “taxa de juro real” até transplante de órgãos) exatamente para não ser “interpretada”.

A Constituição de 1988 é longa e minuciosa porque a imensa maioria dos constituintes tinha sofrido embaraços nos 20 anos de autoritarismo. Os valores máximos que orientaram a sua feitura foram a proteção da absoluta liberdade individual e a busca da igualdade. 

O STF (Supremo Tribunal Federal) foi sacralizado, competindo-lhe, precipuamente, a sua guarda (artigo 102), não o seu “aggiornamento”. 

Para atingir esse objetivo, talvez devêssemos atender à sugestão do ex-ministro do Supremo Nelson Jobim: produzir um “emendão” de lipoaspiração que a reduzisse a apenas 25 artigos de “princípios”, deixando ao STF (o poder moderador) para interpretá-la às condições dos novos tempos.

Com o que temos hoje, o Brasil é inadministrável.

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