Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

Repetimos o erro de Manaus

Com vacinação lenta e sem restrições, damos chance às novas variantes

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Enquanto escrevo, o Brasil é o país que mais registrou mortes por Covid-19 em 2021, mais de 293 mil. Morreram mais de uma vez e meia mais brasileiros neste ano do que no ano passado, ao contrário dos países europeus e dos EUA, que também perderam muitas vidas, mas a maioria delas em 2020, porque os países europeus também fizeram lockdown junto da vacinação.

Aqui, em maio, assim que saímos do mês mais mortal da pandemia, o Datafolha mediu os índices mais baixos de isolamento social do país desde abril de 2020. Saímos de casa aos montes enquanto ainda víamos mais de 2.000 mortes por dia. Em junho, quando a Fiocruz volta a classificar 20 estados em situação crítica por falta de UTIs, ainda temos festas e aglomerações em datas comemorativas. É dar chances de vermos o que aconteceu em Manaus.

Estudando o que aconteceu na capital, o grupo liderado pela pesquisadora Ester Sabino, da USP, estimou que até três quartos da população de Manaus pode ter contraído Covid até junho de 2020. Ao longo do resto do ano, a cidade foi relaxando cada vez mais as medidas sanitárias, abrindo comércio e permitindo a circulação de pessoas, mas os casos e hospitalizações seguiram estáveis. Até novembro, quando surgiu a variante P.1, que causou a segunda onda que presenciamos em 2021.

Segundo outra estimativa do mesmo grupo, até um terço das infecções pela P.1 em Manaus foram reinfecções, casos entre curados da Covid. Sem medidas de distanciamento e com o vírus circulando, a imunidade dos curados deve ter sido a única força contendo o vírus até novembro, quando ele ressurgiu. O estudo da Fiocruz que monitorou o estado do Amazonas estima que esse ambiente pode ter criado as condições para o vírus continuar acumulando mutações até o surgimento da variante mais transmissível que tomou o Brasil.

Agora vemos ao redor do mundo o espalhamento da variante delta. Descoberta na Índia, essa variante se mostrou a mais transmissível até aqui. Na ausência de qualquer medida de distanciamento como as máscaras, de duas a três pessoas eram infectadas por cada pessoa com o Sars-CoV-2 original.

Segundo dados do Reino Unido, a variante delta é bem mais transmissível. Ela pode infectar de cinco a oito pessoas com a mesma oportunidade e quase dobrou as chances de hospitalização dos infectados na Escócia. Ela também se mostrou a variante com o maior escape imune. Felizmente, mais de 90% dos vacinados com Pfizer e AstraZeneca continuam protegidos de hospitalização por essa variante, mas precisam das duas doses para isso.

Um alívio para os brasileiros. Com um governo federal que nega o distanciamento social e o fechamento, nossa situação atual só não é pior graças à vacinação. Os dados do Registro Civil mostram que as mortes por Covid-19 têm caído desproporcionalmente entre os idosos, principalmente entre quem tem mais de 70 anos, justamente os grupos mais vacinados. Mais um sinal claro de que as vacinas funcionam, ao contrário do “tratamento precoce”. Mas com um intervalo longo entre as doses, mais de 10% dos brasileiros estão apenas parcialmente imunizados e ainda vão demorar para receber a proteção completa contra as variantes.

Contar só com a imunidade de vacinados, sem fechamento e com casos em alta, é recriar as condições de Manaus. Agora, já começamos com variantes mais transmissíveis que reinfectam curados. Só que dessa vez, damos chances para a evolução escapar das vacinas e pegar o país todo de calças curtas, ao sabotar a única saída que adotamos.

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