Enquanto a atenção se volta para os primeiros casos de varíola dos macacos detectados no Brasil, passamos por uma onda de Covid que enche UTIs novamente. O contraste entre as duas doenças mostra onde devemos depositar nossa preocupação e o quanto isso é ditado pela evolução.
Evolução parece algo distante do dia a dia, mas seus efeitos são constantes na saúde. A evolução é o que acontece quando organismos variados competem por um recurso limitado e alguns se reproduzem mais do que os outros. Quando o recurso limitado é o nosso corpo e quem se reproduz mais é quem tira mais proveito dele, milhares de vidas são perdidas. Bactérias ou tumores resistentes ao tratamento são o resultado evolutivo da seleção que antibióticos e antitumorais impõem aos micro-organismos e às células cancerosas. Até os mosquitos que transmitem a malária e a dengue estão evoluindo dentro do ambiente urbano.
A varíola dos macacos mostra a diferença que a evolução pode fazer. O vírus da varíola tem um material genético mais parecido com o nosso, uma fita dupla de DNA, que é mais estável e acumula mutações até mil vezes mais devagar que o coronavírus.
Os casos de varíola dos macacos recém-diagnosticados na Europa e nos EUA estão relacionados a um surto que já acontece na Nigéria desde 2017. E, depois de anos de circulação, o vírus não parece ter melhorado sua transmissão entre humanos. E nossa resposta imune produzida contra o vírus vacinal, que se diferenciou dele há milhares de anos, ainda é muito eficaz contra o vírus da varíola dos macacos. No seu caso, sua evolução joga a nosso favor.
Já a Covid nos atinge com uma evolução turbinada. Alguém com o Sars-CoV-2 no corpo pode fazer cem bilhões de novas partículas do vírus da Covid por dia. E seu material genético é uma molécula de RNA tão mais propensa a erros que ele acumula mudanças um milhão de vezes mais rápido do que nós.
Até pouco tempo, as variantes que mais se reproduziram foram aquelas que aumentaram a sua capacidade de infectar humanos. Por isso, sua evolução tornou a Covid progressivamente mais transmissível em apenas dois anos. E agora, a maioria das pessoas que o coronavírus encontra tem imunidade prévia, pela vacina ou pela Covid, e a evolução favorece mais linhagens do vírus que conseguem driblar essa imunidade.
A ômicron simboliza essa mudança. Até seu surgimento, cada variante alfa, beta, gama e delta, veio de uma linhagem diferente do vírus que substituiu a anterior. Agora, todas as novas variantes são ômicron.
Nos últimos meses, a ômicron já gerou as variantes BA.4 e BA.5, que causam ondas em vários países que mal passaram pela ômicron de janeiro. Como aqui no Brasil. Um escape imune maior do que o da varíola em milhares de anos. Isso mostra que o coronavírus já está completamente à vontade entre nós, e continuará circulando, conforme a queda da nossa imunidade e sua evolução se combinam para criar janelas de oportunidade. Para o vírus e sua evolução implacável, esse é o novo normal.
E o nosso novo normal, como vai evitar as mortes dessas ondas? Nossa resposta à Covid não evoluiu. Ainda não temos protocolos de tratamento nem acesso amplo aos antivirais com eficácia contra a Covid. Nada de campanha ampla pela dose de reforço ou pela vacinação infantil contra o coronavírus. E as máscaras continuam opcionais até em ambientes fechados, apesar do aumento de casos e das UTIs cheias. Se uma medida simples e barata como as máscaras não é adotada, como esperar que as pessoas se comportem de acordo com a situação epidemiológica?
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