Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

A mediocridade do 'bom o suficiente' na Covid ainda deve custar muitas vidas

As vacinas se tornaram a única barreira contra o vírus

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Seguimos na segunda onda da ômicron, ainda no estilo "deixa a onda me levar". Desde o começo de julho, registramos uma média acima de 200 mortes por dia. Números que não geram mais mobilização. Em abril de 2020, quando atingimos esse patamar pela primeira vez, a sensação de medo e incerteza manteve muitos fechados em casa. Hoje esses números são bons o suficiente para muitos nem sequer cogitarem usar máscaras.

Atingimos um impasse. As vacinas continuam evitando milhares de hospitalizações e salvando vidas. Não salvam todos, não evitam todas as infecções —nem são desenhadas para isso— mas fazem o suficiente para a retomada de um novo normal com muito mais doentes, mortos e sequelados.

As mortes voltaram a se concentrar entre os mais idosos, que desenvolvem menos imunidade e a perdem mais rapidamente. O que parece ser uma situação boa o bastante para que as pessoas não queiram mais ceder sua liberdade ao vírus. Voltamos a circular e nos aglomerarmos. E as vacinas se tornaram a única barreira contra o vírus. Uma barreira que ainda tem os furos de quem acha que a imunidade induzida pela infecção ou por uma ou duas doses da vacina são boas o suficiente.

Vacinação de crianças na UBS Nossa Senhora do Brasil, na Bela Vista, na região central da capital paulista
Vacinação de crianças na UBS Nossa Senhora do Brasil, na Bela Vista, na região central da capital paulista - Rivaldo Gomes - 22.jan.22/Folhapress

Diferentemente de 2020, agora estamos familiarizados e exaustos com a pandemia. Todo mundo quer sua vida normal de volta. Mas o coronavírus não cansou nem "quer" ceder suas infecções. Pelo contrário, bastaram algumas mutações que driblam a imunidade, outras que aumentam sua afinidade por nossas células, e ele agora tem passe livre para circular como nunca.

Até julho, registramos no Brasil mais de um terço de todos os casos de Covid diagnosticados desde o começo da pandemia. Os primeiros seis meses de 2022 viram mais casos do que em todo 2020 e logo devemos superar os casos de 2021. Isso em registros, a proporção real de casos é certamente maior. No mundo todo, 2022 já deve superar o número de casos registrados nos dois anos anteriores juntos.

As vacinas continuam funcionando bem o suficiente para reduzir a mortalidade, mas ela ainda se mantém muito acima da gripe sazonal mesmo entre jovens. Entre menores de 18 anos nos EUA, a Covid é por volta de seis vezes mais letal do que a gripe. E na diferença entre o normal que queremos e o que é o normal viável estão os óbitos.

Como a Covid mata mais do que a gripe e parece causar pelo menos duas ondas anuais, mesmo se tornando endêmica, ela ainda será brutal sem campanhas de vacinação nem uso de máscaras. No Brasil, estamos chegando a 60 mil óbitos em 2022 e podemos passar de 80 mil até o fim do ano. E esse cenário deve se repetir pelos próximos anos, com números que superam até os assassinatos. Com novas variantes menos severas como a BA.2 e outras mais severas, como a BA.5 parece ser, segundo estudos em Portugal e na Dinamarca.

A situação só não parece ser suficiente para mobilizar o governo federal a promover a vacinação infantil. A Covid já matou mais crianças com menos de 5 anos no Brasil do que meningite, poliomielite, sarampo, rubéola e outras dez doenças infecciosas mataram nos últimos dez anos juntos.

Doenças contra as quais o Brasil era exemplo de vacinação. Agora, mesmo depois da aprovação da Coronavac para crianças de 3 a 5 anos de idade, o ministro da Saúde repete a morosidade e a criação de empecilhos que já atrasaram a vacinação de 5 a 11 anos.

No que depender dos números calamitosos da vacinação infantil dos últimos anos, é mais provável que essa diferença diminua conforme as outras doenças infecciosas voltem a matar mais. A preocupação com a saúde das crianças não é boa, muito menos suficiente.

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