Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu terrorismo guerra israel-hamas

Mata, mas não estupra!

A hipocrisia perdeu a vergonha na cara, virou hábito, uma virtude

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Paulo Maluf, então candidato à Presidência da República, ao ser questionado por um repórter sobre um homem que tinha estuprado e matado uma mulher, respondeu com uma das declarações mais toscas já pronunciadas publicamente: "Tá bom... Tá com vontade sexual, estupra, mas não mata!". Isso aconteceu em 1989. Nesses trinta e cinco anos evoluímos muito pouco.

A pérola de Maluf me veio à mente depois de assistir semana passada a um vídeo (não divulgado publicamente) com imagens —indescritíveis— de cenas de violências —igualmente indescritíveis— cometidas pelos terroristas do Hamas contra mulheres no fatídico 7 de outubro. Não tive coragem de assistir antes, mas infelizmente a barbárie tem que ser exposta diante de tanta negação. Quem não tem estômago para ver as cenas, basta ler o relato que o jornal The New York Times publicou recentemente, baseado em provas contundentes, com detalhes dolorosos de crimes. São registros perturbadores da humanidade se automutilando, do mal em seu estado bruto.

Mulheres exibem cartazes em que se lê 'ONU Mulheres, o seu silêncio é estrondoso' em protesto, enquanto um homem passa, enrolado na bandeira de Israel
Mulheres exibem cartazes em que se lê 'ONU Mulheres, o seu silêncio é estrondoso' em protesto em Londres, Reino Unido - Henry Nicholls - 3.dez.2023/AFP

Mulheres e adolescentes imploravam pelo fim. Mas o mal personalizado em vermes humanos negou a elas esse direito: morrer era pouco, elas mereciam mais. Mereciam o pior dos sofrimentos. Porque eram mulheres. Porque eram judias. Torturaram, humilharam, rasgaram vaginas, arrancaram seios, quebraram ossos. Atiraram em vaginas, cravaram pregos em virilhas, arrancaram unhas e olhos e feto, deceparam. Os vermes estupravam com ódio: pelo ódio. Estupraram sem se importar com cadáveres ao redor —o tesão, objetificado nos corpos de mulheres, era justamente pela barbárie. O tesão era pela repulsa, não pela atração como acontece com pessoas normais. Filme de terror.

E foi assim, como cenas fictícias de um filme de terror, que a barbárie foi tratada pelos negacionistas, fazendo voltar à cena a clássica inversão da vítima (filme que estamos cansadas de assistir) e a relativização de crimes sexuais (outro filme de horror do nosso cotidiano). Negação da verdade é um retrocesso. Conhecemos bem os efeitos do negacionismo-maníaco-cloroquínico dos tempos do auge da "gripezinha" da Covid, em que éramos aconselhados a "enfiar a máscara no rabo" entre outras gentilezas, o que custou milhares de vidas.

A hipocrisia perdeu a vergonha na cara, virou hábito. E quando um hábito se torna moda, passa a ser uma virtude. Não há balela mais mal-intencionada do que justificar as brutalidades cometidas contra mulheres como sendo uma "resposta à política de Israel" ou de um "ato de resistência à civilização ocidental" ou parte da luta palestina, que nunca foi representada pelo Hamas.

Diversidade, equidade e inclusão são os valores essenciais preconizados por organizações e instituições que visam promover um tratamento justo entre grupos de pessoas, independentemente do gênero, raça, etnia, religião, capacidades e orientações sexuais. A ONU Mulheres, criada para ser a defensora global da igualdade de gênero e dos direitos das mulheres, seria um desses grupos, mas não fez o seu papel. Pelo contrário, optou pelo silêncio, mesmo tendo recebido provas oficiais da violação em massa. Optou pela hipocrisia. Não foi imparcial, não foi apolítica, desviando-se da essência e missão da organização. Só depois de oito semanas (!) e de muito estrago, condenou o Hamas pelos ataques, e finalmente se declarou "perplexa com os inúmeros relatos de atrocidades baseadas em gênero e violência sexual durante os ataques".

"Todos eles se reúnem em torno dela", narrou uma testemunha. "Ela está de pé. Eles começam a estuprá-la. Eu vi os homens formando um semicírculo ao redor dela. Um a penetra. Ela grita. Ainda me lembro da voz dela, gritos sem palavras." Violência sexual? Depende do contexto. O trio de reitoras das universidades estavam "certas": se as vítimas forem judias, a realidade se inverte, o inaceitável se normaliza. Uma delas, Claudine Gay, após renunciar na última terça-feira (2) ao cargo que ocupava em Harvard, se retratou: "Sim, cometi erros. Em minha resposta inicial às atrocidades do 7 de outubro, eu deveria ter afirmado com mais veemência o que todas as pessoas de boa consciência sabem: o Hamas é uma organização terrorista que busca erradicar o Estado judeu. E em uma audiência no Congresso no mês passado, caí em uma armadilha bem preparada. Deixei de articular claramente que os apelos ao genocídio do povo judeu são abomináveis e inaceitáveis".

São justamente tais "armadilhas" engendradas pelos movimentos identitários (ou woke, ou coisa que o valha) que colocam a identidade das pessoas como critério para determinar o bom (oprimido) e o mau (opressor), que camuflam a verdade. Não se trata de escolher um lado e se comprometer incondicionalmente com ele, mas de dar nome às coisas: violência sexual, estupro em massa, feminicídio.

O horror não terminou no 7 de outubro. O horror está acontecendo agora, nesse exato minuto, mulheres ainda são reféns dos terroristas, sujeitas a todo tipo de violência sexual. Mas o mundo está ocupado demais com o ódio para se preocupar com elas. Não precisa ser feminista para lutar contra isso, basta ser humano.

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