Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Descrição de chapéu BNDES indústria

Gerar empregos não é boa justificativa para políticas setoriais

Se assim for, podemos acabar pagando para vacas pastarem ao lado do Masp

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O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial foi reativado na semana passada, visando gerar empregos com planos de benefícios fiscais para setores da indústria.

Com linhas de montagem ociosas, montadoras de automóveis têm conversado com o governo sobre redução de impostos para a produção de carros populares.

Afinal, quando faz sentido dar benefícios a setores específicos? Para entender isso, é instrutivo considerar uma intervenção que certamente não faz sentido.

Suponhamos que um governo decida estimular a criação de vacas leiteiras na região da avenida Paulista. Para que isso não tenha um custo fiscal, fica proibido aos estabelecimentos e residências da região comprar leite de outras partes. Vamos supor que seja impossível escapar da legislação.

A ideia é cretina, ninguém propõe isso, e claro que seria difícil fazer a lei ser cumprida, mas é instrutivo pensar nas consequências dessa medida.

Vaca na avenida Paulista na segunda edição paulistana da Cow Parade, em 2010 - Danilo Verpa - 4.dez.10/Folhapress

Produzir leite na região da avenida Paulista é muito caro por causa do valor do terreno. Mas, se não podemos comprar de outras regiões, temos que escolher entre não consumir leite ou pagar R$ 25 pelo litro produzido pelas vacas locais.

Por causa do alto preço, compraríamos menos leite. Ainda assim haveria alguma demanda. Portanto, passaríamos a ver vacas e currais na região.

A produção agropecuária dos arredores da avenida Paulista aumentaria muito. Vários empregos seriam gerados! E nem precisamos de subsídios.

Parece então que a medida teria bons resultados. Entendemos, porém, que ela não faz sentido —e não só pelos problemas práticos de implementá-la.

Está faltando alguma coisa nesse raciocínio. O quê?

Faltou considerar que o trabalho das pessoas, o capital e os terrenos empregados na pecuária leiteira estariam sendo usados em outras atividades.

Essa política não gera trabalhadores qualificados, capital ou terra; ela apenas modifica a alocação de recursos na economia. Essa conclusão se aplica a qualquer política de estímulo setorial.

Claro, sempre há na economia pessoas desempregadas —e algumas dessas poderiam acabar trabalhando na pecuária paulistana por causa da estranha política de apoio. Mas cabe à política macroeconômica cuidar dessas questões, não a políticas de estímulos setoriais.

Então, a pergunta que devemos nos fazer quando nos deparamos com uma proposta de apoio a um setor ou produto é: queremos estimular essas atividades em detrimento de outras?

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Crianças brincam próximo a torres de energia eólica em Araripina (PE) - Zanone Fraissat - 28.nov.17/Folhapress

Em uma economia de mercado, o sistema de preços rege a alocação de recursos. Dessa maneira, processos produtivos mais baratos e produtos melhores substituem os antigos.

No século 19, por exemplo, o tetravô da minha esposa cuidava de vacas e vendia leite no centro de Londres, perto do Museu Britânico. Quando passou a ser possível transportar leite refrigerado, o leite londrino não conseguia mais concorrer com o produto vindo do interior e as vacas se foram para outras pastagens.

Às vezes, porém, pode fazer sentido estimular ou desestimular atividades específicas.

Isso ocorre, principalmente, quando algum custo ou benefício de um produto ou atividade não afeta o preço. A poluição é um clássico exemplo —e é por isso que queremos mais impostos sobre atividades e produtos que poluem.

Devemos discutir políticas setoriais nesses termos. Estímulos a atividades específicas devem ser justificados por benefícios não captados pelo sistema de preços. Sonho meu? Pode ser, mas, se a geração de empregos valer como justificativa, podemos acabar pagando para vacas pastarem ao lado do Masp.

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