Há 30 anos, em 1º de março de 1994, entraria em vigor a URV. Esse seria o primeiro capítulo de uma bela história de sucesso de política macroeconômica no Brasil.
Há tempos vivemos num mundo de inflação anual de um dígito e às vezes parece até que nem poderia ser diferente. Mas, quando a URV foi lançada, a sensação era outra.
Havíamos assistido a uma série dos chamados choques heterodoxos, que seguiam sempre o mesmo roteiro. No papel do Cebolinha, um ministro anunciava um plano infalível, a inflação caía na hora, mas voltava forte no ano seguinte, deixando a economia machucada.
Esses planos começavam com congelamento e tabelamento de preços —órgãos do governo determinavam o preço do feijão e da água mineral. Aí faltava carne no açougue. O que fazer? Um ministro aparecia no noticiário no papel de herói, caçando boi na fazenda. Questões fiscais e monetárias recebiam menos atenção. Não tinha como dar certo.
Quando ouvimos, em 1994, sobre outro plano para debelar a inflação, a sensação era que já havíamos visto o filme, sabíamos como acabava. Mas o Real foi diferente.
A URV era um mecanismo de domar a inércia inflacionária. Era só isso, mas era muito.
Em março de 1994, passamos a cotar tudo em URV, uma espécie de moeda fictícia forte que mantinha seu valor real enquanto o cruzeiro real, moeda da época, se desvalorizava diariamente. O salário mínimo, por exemplo, valia umas 65 URVs.
Em 1º de julho de 1994, a URV virou o real, nossa nova moeda. Nos primeiros seis meses daquele ano, a inflação mensal havia sido sempre superior a 40%. Com o início do Plano Real, caiu para 7% em julho e menos de 2% em agosto.
O gráfico mostra a base monetária (quantidade de moeda na economia) como proporção do PIB a cada semestre entre 1992 e 1996. Há um claro salto na quantidade de moeda exatamente entre o primeiro e o segundo semestre de 1994.
A inflação despenca e a quantidade de moeda dobra. À primeira vista, isso parece estranho. De fato, expansão monetária e inflação tendem a andar juntas —a relação aparece muito claramente em épocas de inflação alta. Mas então por que a quantidade de moeda dobra quando a inflação despenca?
Quando a inflação é muito alta, ninguém quer ter dinheiro no bolso, empresas querem ter o mínimo possível em caixa. Afinal, uma nota de R$ 10 vale R$ 9 no fim da semana. Com inflação baixa, fica muito menos custoso carregar um punhado de notas no bolso ou um pouco de dinheiro para dar troco no caixa da loja.
O ponto aqui é que a inflação não despencou de quase 50%, em junho de 1994, para 2%, em agosto, porque o governo parou de emitir moeda —a emissão de moeda foi enorme— nem por alguma mudança em políticas fiscais ou cambiais.
A inflação desabou em meados de 1994 por causa da URV, que resolveu o problema da inércia sem os desequilíbrios nos preços relativos causados por tabelamentos e congelamentos, remédios que eram piores que a doença.
A URV foi o primeiro passo. Claro que nada disso garantia que a inflação não voltaria.
Muito mais seria preciso para o fim da inflação. Nos anos seguintes, teríamos juros altos, fluxos de capital estrangeiro aliados a uma âncora cambial, tentativas de ajustes fiscais... Houve erros e acertos no processo.
Se a URV marca o início da vitória contra a inflação, o passo final para a estabilidade macroeconômica foi o regime de metas, que completará 25 anos em junho.
Mas esse é assunto para outra coluna. Esta semana é da URV.
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