Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Bia Braune

Algoritmo consegue ser meigo, dando palpites úteis sobre meus relacionamentos

Por um bom tempo, ingenuamente acreditei que ele apenas roubava todos os dados da nossa vida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Por um bom tempo, ingenuamente acreditei que ele apenas roubava todos os dados da nossa vida para entregar aos conglomerados internacionais, vendendo nossas almas ao Diabo do capitalismo de forma inescrupulosa.

Susto, porém, foi descobrir que o tal do algoritmo consegue ser meigo e fófis, dando palpites realmente úteis sobre os meus relacionamentos. E digo mais: sobre os seus também. Onde já se viu? É revoltante.

Errei rude ao considerá-lo uma ininteligível sequência computacional de zeros e uns, do tipo que cria procedimentos lógicos para ferrar com a gente. E contando com a ajuda de um comparsa, o nosso celular. Esse fura-olho sonso e ingrato, mantido no bem-bom de capinhas coloridas em formato de bichinho.

Símbolo da Siri, da Apple, como um bonequinho; um balão acima dela diz 'e leva casaquinho que vai esfriar'
Marcelo Martinez/Folhapress

Implacável, o algoritmo sabe qual é a sua. Todas as fragilidades varridas para baixo do tapete, ele vai lá e cata. Dos “oi, sumido(a)” enviados de madrugada aos prints para recalque posterior. Inclusive, esquece isso de ocultar playlist de sofrência. Você acha que quer ouvir Brahms e Albinoni, mas o algoritmo oferece o que você precisa de verdade, a discografia completa da Marília Mendonça.

Sábado à noite, debaixo das cobertas, na companhia de indignos farelos de biscoito, quem aparece no seu feed —feliz e sem papada? A pessoa que acabou com a sua vida. Qual a necessidade disso? O algoritmo não tinha um vídeo de gatinhos mais à mão? Cadê o alerta com a promo da lava e seca que você tanto quer comprar?

Feito um tarado de sobretudo, à espreita num beco virtual, o algoritmo reexibe seus seminudes inglórios, justificando “há um ano, hoje”. Empurra “pessoas que você talvez conheça” e cria alertas chatos.

Não importa se é amigo que brigou por política ou ex-sogra fazendo aniversário. O cursor da lição de moral pisca.

“Abstrai, ele nem votou no Bolsonaro. Vocês viam ‘Jaspion’ juntos” ou “dá logo parabéns, você amava o pudim dela”.

A hora da verdade é no block da mágoa. Você, firme na decisão, ele bota panos quentes. “Tem certeza?” Quase um “não quer repensar? Você é tão cabeça dura”. Shhh, quieto.

“Lidar com você, hein? Eu sou seu algoritmo, sei como é.”

Droga, são bons argumentos.

“Então não decida nada agora. Enxugue essa lágrima. Olhe aí, a lava e seca entrou na promo. Ainda tem cupom-sofrência de ‘R$ 50’.” Valeu, algoritmo. “Só pare de comer biscoito, se alimente direitinho.”

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.