Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

A eletrizante história do bom eletricista que foi astro do pagode

Ex-integrante do grupo Kiloucura viveu de música durante 28 anos e se reinventou na fiação elétrica

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Ele estava concentrado, tentando dar seu show. Merecia inclusive um facho de luz só seu. O chato é que ninguém ali enxergava nada —um fusível tinha deixado minha casa às escuras. “Sua fiação é muito antiga, presta não”, disse o eletricista, ex-astro do pagode.

Modéstia à parte, todos os prestadores de serviço que frequentam minha humilde residência são tratados como estrelas de primeira grandeza. Estofadores, marceneiros e serralheiros fazem parte de um seleto cast, posto que adoro obras e reformas. Faltava, porém, um bom eletricista.

Foto com um alicate de cabo amarelo e fios coloridos. Vários fios estão juntos atravessando verticalmente o meio da imagem; há três fios cortados e com as pontas desencapadas no canto direito inferior; e outros dois fios estão soltos formando uma clave de sol e uma nota musical no lado esquerdo da imagem, perto do alicate e de outras três pontas de fio desencapado que estão na margem esquerda da composição.
Fios elétricos em formatos de notas musicais - Marcelo Maritnez/Folhapress

Quando recebi a indicação, ele era apenas “Anderson”. Sujeito simpático que veio cuidar do apagão em que eu me encontrava. De tão prestativo, passou à instalação de luminárias. Puxa um fio daqui, um assunto dali, o papo engrenou. “Você trabalha em TV, né? Também fiz bastante.” Imersa nas trevas de minha ignorância, perguntei se ele conhecia a equipe de eletrotécnica. “Na verdade, eu cantava e tocava. Você curte pagode?”

Com todo respeito a Edison e Tesla, Raça Negra e Só Pra Contrariar, eletricidade e pagode são assuntos nos quais me considero uma nulidade. Até que Anderson botou uma música. “Quero ter você/ custe o que custar/ pela vida inteira.” Uma luz se acendeu em mim.

“Essa aí tocava na novela das oito. Tema da Garota do Bumbum Dourado, lembra? A gente ia à Xuxa, ao Huck... Nossos discos de ouro e platina foram entregues no palco do Gugu.”

Puxando pela memória ou dando uma “googlada”, você vai encontrar o grupo Kiloucura —Délcio, Dupand, Bigode, Picolé e Prateado. Mas e Anderson? “Eu sou esse aqui, o Bigode.” E me apontou uma foto dele jovem, usando rabinho de cavalo. “Rabinho, não: minha marca era uma trança embutida!”

Durante 28 anos, Bigode viveu de música. Viajou pela Europa, Japão e Estados Unidos. Tocou percussão com Almir Guineto e Jovelina Pérola Negra. Quando se juntou ao Kiloucura, veio o sucesso. “A gente jogava com o Zico, fazia churrasco com o Edmundo. Foi tudo tão intenso.” Até o choque de realidade.

“Eu sabia que iria acabar. Sou pé no chão”, disse, rindo, pois estava numa escada, pendurando um ventilador. E com muita eficiência. “Gosto demais do que faço hoje.” Era um homem sereno —que desencapava um fio na maior tranquilidade.

Quando Anderson foi embora, refleti muito. Aceitar a finitude das coisas e se reinventar não deixa de ser uma arte. Então tratei de ouvir um antigo sucesso. “Preciso de você/ pra minha vida mudar/ pra minha luz acender/ pra alegria voltar.” Brilhante.

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