Bruno Boghossian

Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

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Bruno Boghossian

Por que Lula usa réguas diferentes para tratar Ortega e Maduro

Reconhecer 'problema na Nicarágua' é a prova de que o presidente sabe o que é uma autocracia

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Ninguém tinha perguntado nada sobre Daniel Ortega, mas Lula avisou que teria uma conversa com o ditador. "Nós temos um problema na Nicarágua", sentenciou, assim mesmo, na primeira pessoa do plural.

Lula aproveitou Ortega como válvula de escape. O presidente dava uma entrevista à Rádio Gaúcha e exagerava na generosidade para defender Nicolás Maduro. Negou que a Venezuela fosse um regime autoritário, com a desculpa de que há eleições no país, e emendou que "o conceito de democracia é relativo".

Reconhecer que há um "problema na Nicarágua" é a prova de que Lula sabe a diferença entre autocracia e democracia. Ortega disputa eleições, mas reduziu as amarras do poder presidencial e criou um sistema de perseguição a adversários políticos.

Lula ajusta a retórica, mas ainda usa tons pastéis ao falar da Nicarágua. Na entrevista, ele se limitou ao que chamou de "problemas com a Igreja", em referência à prisão do bispo católico Rolando Álvarez pelo regime de Ortega no ano passado.

O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante encontro em Caracas, no aniversário de dez anos da morte de Hugo Chávez, em março de 2023 - AFP/Presidencia Venezuela - Marcelo Garcia

O governo ensaia demarcar uma diferença no tratamento do país. Além do passo tímido de Lula, o Brasil apoiou uma declaração da OEA que manifestou preocupação com os relatos de repressão na Nicarágua.

Lula se recusa a fazer algo parecido com Maduro, até porque há diferenças grandes entre os casos. Ortega fechou o regime de forma abrupta, inaugurou uma perseguição radical e está distante, enquanto o processo na Venezuela se consolidou ao longo de décadas, num país que compartilha interesses com o Brasil.

Nada disso faz com que o déficit democrático de Maduro mereça salvo-conduto. Lula abusou desse artifício quando comparou a oposição venezuelana a Bolsonaro e os golpistas de Brasília ("gente que não quer aceitar o resultado"), ignorando barreiras à competição eleitoral no país.

Está mais do que claro que Lula jamais lançará Maduro ao mar —e nem deveria fazer isso. Também não deveria fingir, só para acomodar um aliado, que os requisitos da democracia são itens de adesão voluntária.

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